Por Carmo Rodeia
“Calem-se as armas, declare-se imediatamente um cessar-fogo universal(…) A humanidade deve pôr fim às guerras ou será uma guerra que acabará com a humanidade. O mundo, a nossa casa comum, é único e não nos pertence a nós, mas às gerações futuras. Portanto, vamos libertá-lo do pesadelo nuclear” refere o texto, lido no final do evento ‘O Grito da Paz’, promovido pela comunidade católica de Santo Egídio, com a participação do Papa Francisco, que terminou esta terça-feira no Coliseu de Roma.
Os participantes neste encontro, que começou no domingo, lembram que “Não devemos perder a memória do que é a tragédia da guerra, que gera morte e pobreza”, e prossegue: “ as religiões são e devem continuar a ser uma grande fonte de paz. A paz é santa, a guerra nunca o pode ser”.
De facto, como nos lembra o texto nós seremos a geração que deixou morrer o planeta e a humanidade, que acumula e comercializa armas, trafica seres humanos e continua a rejeitar quem é diferente, em nome de uma superioridade que nem a história autoriza.
Quando é que a “Agenda da Paz” de que o Secretário Geral das Nações Unidas tem falado, sai das palavras e passa para uma verdadeira prioridade?
Numa leitura de fé, a Paz só pode ser encarada como um dom a ser conquistado quotidianamente. Primeiro, deve ser trabalhada nos nossos corações, para que possamos promovê-la. Na medida em que vamos oferecendo a Deus atos de reparação, como nos ensinou o Anjo da Paz e a Virgem Maria em Fátima, vamos fazendo da Paz uma realidade, tornando-nos os seus promotores e vivenciando a bem-aventurança, ensinada por Jesus: “Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mt. 5,9) O próprio Jesus, no Sermão da Montanha, oferece-nos esse itinerário para a construção da Paz. Mas, não é isso que vemos e, sempre que folheamos um jornal ou ligamos uma televisão, gosto dos meios analógicos, ninguém nos poupa a um encontro com as dores do mundo, provocadas por tantas guerras. Guerras com balas a sério, das matam e das que ferem. Mas sobretudo das que roubam vidas. Dos que tiveram de fugir para viver e dos que ficaram e querem sobreviver. A guerra do gás é a mesma guerra das armas.
Iryna Vereshchuk, vice-primeira-ministra ucraniana e chefe de reintegração dos territórios ocupados deixou ontem um pedido aos conterrâneos para se manterem nos países de acolhimento devido à situação energética. O país precisa de sobreviver ao inverno que é agora um dos mais poderosos aliados de guerra de Putin. Os mísseis russos e drones iranianos destruíram nas últimas semanas um terço do setor energético da Ucrânia. E lá estou eu a voltar aos vizinhos esquecendo-me das montanhas geladas do Afeganistão e dos problemas de outras paragens como a seca ou as cheias resultantes das alterações climáticas, agravadas pelo nosso comportamento. É uma tentação…
Em cada imagem de guerra encontramo-nos com essas dores. Em cada imagem de sofrimento vemos também a arrogância dos que se acham senhores do mundo.
Revisito o discurso do Papa Paulo VI na ONU, no dia 4 de outubro de 1965, em que dizia o seguinte: “Eis chegada a hora em que se impõe uma pausa, um momento de recolhimento, de reflexão, quase de oração: pensar de novo na nossa comum origem, na nossa história, no nosso destino comum”. Mas, não sei se estaremos preparados para isto.
Como poderemos não interrogar-nos acerca do papel das religiões para promover a paz e como não interpelar aqueles que enquanto testemunhas de Deus, deveriam ser também testemunhas do amor? A relação entre as religiões e a paz no mundo tem marcado toda a história humana. Mas no contexto actual, ganha contornos a nível cultural, económico e político. Sobretudo se da religião vem sempre essa proposta de salvação. Por isso, este encontro de Roma foi tão importante. Será que em Moscovo houve alguma notícia?