Por Carmo Rodeia
Esta semana, e segundo o calendário gregoriano, são assinalados os 100 anos da revolução soviética.
Lembro-me de como me marcou o livro “Os 10 dias que abalaram o mundo” de John Reed, norte-americano, jornalista, poeta, e militante comunista (foi membro do partido comunista americano e um dos fundadores do Comintern) que viveu pessoalmente os acontecimentos de Petrogrado em posição privilegiada pois era amigo de Trostki que o apresentou a Lenine.
John Reed e a sua mulher, Louise Bryant, conhecida activista do movimento feminista, assistiu, como descreve no seu livro, ao início da Revolução de Outubro com a queda do Palácio de Inverno. É esse testemunho que relata neste livro único que serviu de inspiração a filmes e escritos sobre a Revolução – como o mais emblemático filme de Sergei Eisenstein (Outubro) –, que influenciou decisivamente toda a cinematografia revolucionária. Em 1981, o filme Reds, realizado por Warren Beatty, e com a presença de dois grandes do cinema- Diane Keaton e Jack Nicholson, baseia-se na sua obra e John dos Passos escreveu a sua biografia.
Reed não podia adivinhar que os dias que abalaram o mundo, e sobretudo a grande Rússia, seriam muito mais que dez e teriam consequências tão nefastas que hoje, com toda a certeza, podemos dizer que foi um dos períodos mais negros e cruéis da história da humanidade. Quem sabe mesmo se maior do que a revolução chinesa, que os extermínios em massa do nazimos ou que a repressão dos Khmers Vermelhos, no Cambodja.
As condições miseráveis em que vivia a sociedade Russa, dominada por um regime czarista medieval, assente na escravidão do homem, em que a vida humana pouco ou nada valia, levaram a que oportunistas como Lenine pudessem vingar e levar por diante uma revolução que apenas serviu os mesmos de sempre. Daí que também possamos dizer com toda a certeza que os russos não ficaram melhor com a dita revolução, que acabou por ser apenas um golpe de estado, preparado no conforto do exílio por Lenine, que fez ascender ao poder Estaline que, com mão de ferro, reprimiu opositores e acabou com os mais elementares direitos à liberdade dos russos.
É quase sempre assim: o poder político, tal como o económico corrompem. Sobretudo quando mal usados, isto é, quando está em causa o interesse pessoal ou de um grupo ou quando se esquece o bem , ou seja, servir em vez de ser servido. Lenine não era nem um grande político nem um grande pensador. Era apenas um homem que percebeu onde podia agitar e como o poderia fazer de forma a que o seu poder não fosse beliscado. Não deixa de ser curiosa a forma como a igreja russa ou até mesmo o poder político atual, igualmente autocrático, se distanciou destas “festas”.
“Não se trata de festejar o centenário da tragédia, mas de comemorar esta data conscientemente, acompanhando-a com reflexões profundas e orações sinceras, de forma que os erros cometidos há um século ensinem aos nossos povos, na atual fase de seu desenvolvimento, a não permitir erros similares”, afirmou o patriarca de Moscovo, Kirill.
Infelizmente o curso dos dias lembra-nos que, afinal, o passado não está tão distante. Na Rússia e noutros lugares deste mundo que tantos apelidamos de civilizado. A esperança emancipadora proposta por uns quantos populistas (epíteto simpático para oportunistas) pode ter um triste fim. E rapidamente pode transformar-se em desesperança…Foi assim na Russia e pode ser em qualquer parte do Mundo.