Por Carmo Rodeia
A antiga advogada e jornalista cidadã Zhang Zhan viajou para Wuhan em fevereiro de 2020. De lá, e através de redes sociais como o WeChat, Twitter e YouTube, denunciou a forma como jornalistas independentes e familiares de pacientes com covid-19 eram perseguidos e detidos, como forma de silenciamento daquilo que as autoridades chinesas quiseram esconder do mundo e que nos conduziu a esta pandemia que há dois anos nos entrou pela vida adentro, consumindo-nos diariamente.
Naquele período, os “jornalistas cidadãos” eram a única fonte de informação não censurada e os únicos que partilhavam notícias sobre a pandemia, em primeira-mão.
Zhang Zhan desapareceu a 14 de maio de 2020 em Wuhan. Mais tarde, foi revelado que tinha sido detida pela polícia em Xangai, a mais de 640 km de distância. Foi condenada a quatro anos de prisão.
Segundo a Amnistia Internacional, em junho de 2020, Zhang Zhan iniciou uma greve de fome para protestar contra a sua detenção e proclamar inocência. As autoridades chinesas obrigaram-na a alimentar-se à força, contra a sua vontade, e colocaram-lhe algemas nas pernas e nas mãos, 24 horas por dia, entre junho e dezembro de 2020, como forma de punição pela sua greve de fome. A 31 de julho de 2021, foi internada no hospital devido à sua grave desnutrição, tendo já regressado à prisão onde permanece em greve de fome parcial. Em julho passado pesava apenas 40 kg. Dada a gravidade da sua saúde, a família pediu a sua libertação imediata por razões médicas. A prisão de mulheres onde se encontra em Xangai continua sem dar qualquer resposta à família desta mulher que não cometeu qualquer crime e se encontra em risco de vida.
Zhang Zhan é, segundo a Amnistia Internacional, cristã devota num país onde ser cristão é passaporte para a perseguição. Ela terá pedido inclusive para ter uma Bíblia na prisão, mas o pedido foi recusado.
Neste momento é mais do que evidente a fraqueza física desta mulher, que certamente já estará desprovida de toda a capacidade de discernimento; ainda assim pergunto: como terão sido os dias que a levaram a todo este itinerário. Onde foi buscar a sua força e tenacidade…
Recordo S. Paulo que testemunha a fé com uma hipótese paradoxal: «Quando sou fraco é então que sou forte». Ou o salmo 27 « (…) De quem poderei ter medo?/ O Senhor defende a minha vida/ Quem me poderá assustar?/Quando os malvados me atacam e tentam matar-me, são eles, os meus inimigos, que tropeçam e caem».
Se é cristã, certamente que Zhang Zhan há de ter pensado nisto…
Mais do que o exemplo de cidadania ou de luta pela liberdade diante de um regime ateu e ditatorial, Zhang Zhan cuja condição desconhecemos neste preciso momento, tem de ser um exemplo. Não por ser cristã, ou por ter desejado uma bíblia. Mas pela resistência. Pelo testemunho.
Hoje, fartos de tudo o que é material e imaterial, cheios de profecias, tradições e ritos vivemos afastados de tudo o que possuímos. Por vezes, tenho a impressão que ficamos bem longe dos Magos e, ao contrário deles que foram á frente a mando de Herodes, imagine-se, deixamos de ousar seguir a profecia, seguir a estrela, incapazes de acolher a revelação de Deus como ela se dá. Por isso, tenho cá para mim que o grande obstáculo à vida de Deus, no seio da humanidade em geral e de cada um de nós, em particular, não é a fragilidade ou a fraqueza, mas a dureza e a rigidez. Não é a vulnerabilidade e a humilhação, mas o seu contrário: o orgulho, a auto-suficicência, a violência e o delírio do poder. O poder cega. Seja político, económico ou outro. O poder escraviza, dilacera e ajuda a corromper. O poder individual e o poder das nações é fonte de destruição. Mas há quem resista, em Deus e com Deus.
A Amnistia Internacional garante que Zhang Zhan é cristã. Tanto me faz se é ou não. Mas o que importa é o seu testemunho: no seu coração há um desejo evidente de Deus que a anima e isso deve ser um exemplo.
Bom ano!