A Eutanásia é um “terreno escorregadio” para médicos, diz médico intensivista do Hospital de Ponta Delgada

O debate organizado pelo Conselho Nacional de Ética para as ciências da Vida decorreu ontem na Biblioteca Pública de Ponta Delgada

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida promoveu esta terça feira em Ponta Delgada, um encontro inserido no ciclo de debates “Decidir sobre o final da vida”, reunindo um jurista, um médico, uma deputada e um eticista, e no qual  ficou o apelo aos poderes públicos para que invistam, cada vez mais, nos cuidados paliativos.

“Se damos aos médicos o poder de matar, vão morrer mais do que os que querem morrer. Isto é terreno escorregadio”, alertou o médico intensivista Dionísio Faria e Maia, um dos quatro especialistas convidados da 7ª sessão do ciclo de debates que tem o alto patrocínio da Presidência da República.

No encontro, que propôs uma reflexão sobre a possibilidade de legalizar o direito dos doentes terminais a por fim à vida, o médico que é também deputado regional na Assembleia Legislativa dos Açores pelo PS, sublinhou que a eutanásia vai contra a ética desta classe profissional cuja missão é, justamente, “a defesa da vida” e não “matar”.

“É um assunto extremamente complexo”, lembrou o clinico referindo –se às várias situações “já experimentadas de hesitação dos doentes” que “no fundo não querem morrer; sobretudo, não querem sofrer no final das suas vidas, o que deve passar por um reforço na prestação de cuidados paliativos”.

O tema da Eutanásia ou da morte medicamente assistida é controverso e depois de “iniciativas recentes de cidadãos, destinadas a promover intervenções legislativas sobre a eutanásia e o suicídio assistido” terem colocado estes temas “na discussão pública”, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida espera poder “discutir com total abertura e independência as escolhas que se colocam em final de vida”, sejam elas “declarações antecipadas de vontade, locais e condições de prestação de cuidados de saúde, incluindo os cuidados paliativos, futilidade terapêutica, eutanásia e suicídio assistido”.

No debate de ontem, o painel estava dividido mas maioritariamente contra a legalização da Eutanásia. Apenas Zuraida Soares, deputada do Bloco de Esquerda, formada em filosofia, defendeu este direito de decidir “opção de morrer”.

“É um direito que cabe às pessoas. A minha opção de morrer é um direito e reivindico para mim tal direito, não estou a impor nada a ninguém”, salientou, referindo que a eutanásia deve ser praticada por médicos de forma consciente. Os mesmos que – lembrou – podem recusar fazê-la se esta, tal como acontece nos casos de interrupção voluntária da gravidez, for contra a sua consciência.

“Não há nada de fraturante entre a liberdade de decidir de acordo com a minha consciência. Isto chama-se direito inalienável e respeita as opções diferentes das minhas”, evidenciou Zuraida Soares, considerando ser uma “falácia” quando se diz que os cuidados paliativos, que são igualmente um “direito”, são a “alternativa” à morte medicamente assistida.

Maria do Céu Patrão Neves, professora catedrática  de ética, na Universidade dos Açores, afirmou por seu lado que – além do testamento vital – a legislação portuguesa já contempla desde 2012 as diretivas antecipadas de vontade, que já permitem às pessoas – existem pouco mais de 8 mil inscritas neste regime no país – decidirem de forma ativa sobre o final das suas vidas, inclusivamente se querem ou não mais nutrição ou hidratação.

“Temos aqui (nas diretivas antecipadas de vontade) mais autonomia do que a eutanásia, que pode ser um ato de desespero”, acentuou Maria do Céu Patrão Neves, que colocou claramente a ênfase na necessidade de se investir mais nos cuidados paliativos como solução para doentes terminais.

A professora catedrática de Ética deu o exemplo do que está a acontecer em países como a Holanda, onde houve um aumento de 73% de pessoas eutanasiadas e onde já há unidades móveis que, a troco de dinheiro, proporcionam a eutanásia a quem a pede por telefone. ”

Estas unidades móveis conseguem fazer o acompanhamento físico e psicológico da pessoa? Isto é que é morte medicamente assistida”, questionou.

Por seu lado, Pedro Gomes, jurista e ex deputado do PSD, colocou a tónica na proteção da vida humana, inscrita na Constituição Portuguesa.

“A vida humana é inviolável e o debate da eutanásia coloca em conflito a inviolabilidade da vida humana com outros valores que têm a ver com a dignidade e com a afirmação do seu percurso, igualdade e o direito à decisão sobre a sua morte”, enfatizou.

O jurista, que relativizou a discussão em torno da eutanásia, recordando que esta prática está legalizada apenas em quatro países europeus (Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça) e no estado norte-americano do Oregon, afirmou que esta “não é uma questão verdadeiramente fraturante em Portugal”, nem sequer “premente” mas que foi importada para o espaço publico por conveniências político-partidárias.

Este foi um dos debates mais participados nos últimos tempos em Ponta Delgada e foi transmitido pela RTP Açores.

 

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