Um grupo de três economistas a convite do Instituto Católico de Cultura e da RTP Açores aceitou participar num debate sobre a Ecocnomia de Francisco no pós pandemia
A crise tem sido “devastadora” do ponto de vista social e económico mas permanecer nela não será uma inevitabilidade se os portugueses, os políticos em particular, olharem para esta situação como uma oportunidade, refere João César das Neves que integrou o painel que debateu as consequências económicas e sociais da pandemia da Covid-19 à luz da Doutrina Social da Igreja.
“Foi uma crise devastadora, a pior crise desde há 75 anos com um impacto sanitário com pessoas a morrer, mas em que o impacto económico é dominante: parou tudo, percebemos a nossa fragilidade humana e como este equilíbrio económico é tão frágil” disse o economista, professor da Universidade Católica, no debate exibido esta terça feira pela RTP Açores (Será transmitido em repetição no dia 20, às 16h00, hora dos Açores), uma iniciativa do Instituto Católico de Cultura e do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, com o apoio da televisão publica açoriana.
“Como vamos sair? Ninguém sabe; agora cabe-nos rumar: mais descapitalizados é certo, mais endividados, porventura, os pobres mais pobres mas não podemos perder a esperança”, referiu o docente da Universidade Católica Portuguesa.
“A economia portuguesa não foi das mais afectadas pela doença mas foi-o economicamente falando. Mas o problema não é da pandemia; o nosso crescimento é medíocre há 20 anos, por isso, podemos ter mais problemas” alerta ao sublinhar que não é por causa da crise do turismo, e do fim das viagens neste período mais prolongado de confinamento, que se “justifica tudo”.
“ A paralisia é mais profunda do que isso” salienta e nela, o papel da Igreja sai “reforçado”.
“A Igreja tem um lugar decisivo: o papel principal é manter a esperança. Quando o estado e as empresas desaparecem, é a Igreja e a família que entram em acção” referiu destacando que por exemplo o Plano de resiliência e recuperação “não é um bom instrumento. É medíocre; é uma lástima” refere.
“Penso que a opção da União Europeia não foi tratar da pandemia, pois o documento não procura resolver a recuperação, olhando para os problemas concretos”, adverte porque, logo no plano semântico, “resiliência é precisamente o contrário de desenvolvimento”.
“O que vamos fazer é reforçar as forças de paralisia” e concretiza: “ o investimento publico, os professores mas não ouço nem vejo tratar das empresas e da sua saúde” salienta ao lembrar que são elas que constroem valor acrescentado.
“O objetivo é resiliência, isto é, manter o que temos.Pode haver crescimento mas não há desenvolvimento; o país está paralisado”.
Também Mário Fortuna, professor catedrático da Universidade dos Açores e presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, destaca que é preciso que os políticos saibam modelar os planos que estão definidos em teoria olhando para a realidade concreta. E embora considere que o que foi gizado a nível nacional e europeu seja o “engordar” do sector público que, do ponto de vista digital, por exemplo “vai ficar mais sofisticado” cabe aos governos fazer “uma inflecção nas prioridades”. No caso concreto dos Açores é preciso garantir recursos para “recapitalizar as empresas”, “trabalhar a sua produtividade” e “investir nas pessoas”.
“Quando um abalo de terra é forte tem consequências diferentes consoante a região. Foi isso que aconteceu aqui nos Açores com esta pandemia. Em 2010 recebemos um abanão; esta crise ainda é pior e o impacto dela tem a ver com a estrutura económica que não existia” refere o economista.
“É óbvio que vamos recuperar; o problema é o rasto de destruição que fica, sobretudo como herança para os mais jovens”, refere ao salientar que é preciso “de uma vez por todas” apostar “na economia e na produção de riqueza” e isso “é possível a partir de um modelo como o proposto pela Doutrina Social da Igreja”.
“A ideia de não deixar ninguém para trás é um aspecto que tem estado presente na acção da Igreja nos Açores. A Doutrina Social da Igreja parte da valorização da propriedade privada e a produção é um ponto de partida. É preciso recuperar os valores: o valo do trabalho e da produção, o valor de que as pessoas devem dar à sociedade sem esquecer aqueles que não podem”, refere.
“Depois de tantos anos de muito apoio e de milhares e milhões de euros injectados ainda não conseguimos ultrapassar as questões da pobreza; há políticas que não produziram o desfecho que queríamos e devemos tirar ilações do passado”, conclui.
Gualter Furtado, economista e presidente do Conselho Económico e Social dos Açores apela à organização e solidariedade.
“Nós não saímos desta crise sem ser de uma forma organizada e solidária. Os pobres foram os que mais sofreram com esta crise” afirmando ao destacar que “1 em cada 3 açorianos são pobres”, isto é, “a pobreza atinge cerca de 30% da população, com bolsas absolutamente gritantes”, destaca.
“A pobreza, tem uma dimensão astronómica, e em igreja temos de saber lidar com ela” e “não pode ser só com medidas paliativas” que “sendo importantes não criam riqueza”.
“Temos um problema de produtividade; um problema de recursos humanos que são pouco ágeis e lidam mal com a especialização; por outro lado verificamos uma dependência estrutural da economia”, refere.
“Infelizmente ainda não conseguimos ultrapassar as dificuldades económicas, com envelhecimento e despovoamento de muitas ilhas”, frisa ainda lembrando a “responsabilidade” dos que têm mais em repartir e olhar para o seu mais próximo.
O próximo debate, o terceiro de um ciclo de três, irá debater a encíclica Laudato Si. À mesa do debate estarão Viriato Soromenho Marques, professor catedrático de Filosofia; Francisco Ferreira da associação ambientalista Zero; António Frias Martins, professor catedrático jubilado da Universidade dos Açores e Francisco Wallenstein, investigador da academia açoriana. Na moderação estará o director da Agência Ecclesia, Paulo Rocha.