Por Carmo Rodeia
Vivemos numa sociedade em que o medo é um fardo pesado. A expressão não é minha e copio-a do livro de Edgar Silva, “Vencer o Medo – A Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (1969-1974)”, um ensaio que vai para além das reflexões sobre as lutas anti-fascitas e retrata a sociedade portuguesa daquele período a partir do conceito de medo, e de como ele aprisiona e limita comportamentos.
Nestes dias de tanto sofrimento, há tanto medo. O medo dos mais velhos, que se encontram sozinhos, nos lares, no hospital ou em casa e não sabem o que pode acontecer. O medo dos trabalhadores sem trabalho fixo que pensam como vão garantir o pão nosso de cada dia, o alimento para os seus filhos e veem a fome chegar. O medo de tantos agentes sociais que neste momento ajudam a sociedade a seguir adiante e podem ficar doentes. Também o medo – os medos – de cada um de nós: cada um saberá qual é o próprio medo que enfrenta.
A pandemia continua a causar feridas profundas, desmascarando as nossas fragilidades. Há muitos mortos, muitos doentes, em todos os continentes. Portugal já não é exceção e prometem-nos um pico nos óbitos neste mês do Advento e do Natal.
A pergunta que se impõe é: e como vencer estes medos?
A resposta para um cristão, dita da boca para fora, é razoavelmente fácil: a graça da fé, a força de pertencer à Igreja de Cristo e aos seus ensinamentos.
Neste teatro da angústia, como já lhe chamaram, é no outro que eu encontro, necessariamente, a minha salvação. Esta é porventura a primeira e grande lição de Jesus: nunca estamos sozinhos. Mas, até que ponto somos capazes de nos contagiar e contagiar os outros com esta certeza, quebrando o nosso e o medo deles?
Entrámos no tempo do Advento, um tempo em que somos convidados a uma vigilância ativa seja na forma como nos preparamos para receber Jesus, o Deus-menino, seja na forma como O levamos aos outros.
Na tradição cristã, fé, esperança e caridade são muito mais do que sentimentos ou atitudes. São virtudes infundidas em nós pela graça do Espírito Santo: dons que nos curam e nos fazem curar, até quando navegamos nas difíceis águas do nosso tempo, como nos alerta o Papa Francisco.
“Não é o quanto fazemos, mas quanto amor colocamos naquilo que fazemos. Não é o quanto damos, mas quanto amor colocamos em dar” dizia às suas irmãs santa Teresa de Calcutá.
No seu tempo, Jesus também era o inimigo. Pela forma como pregava, pela forma como abalava as estruturas de poder da época. Conhecemos o seu exemplo, professamos a sua palavra, mas nem sempre estamos alinhados com Ele. Olhamos à nossa volta e vemos muitos de nós ainda embriagados pelos ídolos que a sociedade vai criando e que nós vamos alimentando e consumindo: o dinheiro, a posição, o cargo, a carreira, o carro, a casa.
Nas catequeses “Curar o mundo”, que desenvolveu nas audiências gerais do verão, na primeira, a 5 de agosto, o Papa Francisco propunha “um novo encontro com o Evangelho da fé, da esperança e do amor”, como a única forma de transformar a raíz do nosso medo e das nossas doenças, físicas, espirituais e sociais. E citava várias passagens dos evangelhos para exemplificar. Recordo, com ele, a bonita narração da cura do paralítico, em Cafarnaum.
Enquanto Jesus pregava na entrada da casa, quatro homens levaram um amigo paralítico a ter com Jesus; e impossibilitados de entrar, porque havia muita gente, descobriram o telhado e desceram o leito à frente dele, que estava a pregar. «Jesus, vendo a sua fé, disse ao paralítico: “Filho, os teus pecados são-te perdoados!”». E depois, como sinal visível, acrescentou: «Levanta-te, pega no teu leito e vai para casa!».
Conclui Francisco: “Jesus cura, mas não cura simplesmente a paralisia, cura tudo, perdoa os pecados, renova a vida do paralítico e dos seus amigos. Faz nascer de novo, digamos assim.”
Insisto na pergunta: como poderemos nós cristãos, inundados de medo, oferecer (e ser) para os medos do nosso tempo, sendo que a maioria de nós não é profissional de saúde, não tem o poder de administrar os sacramentos da cura espiritual nem sequer faz parte da elite governamental?
Ao longo dos séculos, e à luz do Evangelho, a Igreja desenvolveu alguns princípios sociais que são fundamentais : o princípio da dignidade da pessoa, o princípio do bem comum, o princípio da opção preferencial pelos pobres, o princípio do destino universal dos bens, o princípio da solidariedade, da subsidariedade e o princípio do cuidado pela nossa casa comum.
Começando por aqui, já não era mau. Mas, às vezes, parece tão difícil…