Completar vinte e cinco, cinquenta ou cem anos sobre qualquer acontecimento concede alguns direitos de exagerar análises e colorir recordações.
Faz parte do protocolo da nossa memória que escala seleções e hierarquias muito bizarras da história. Penso até que toda a história e todas as histórias são decantadas pelo tempo, deixando cair as poeiras inúteis ou até realçando ou trazendo para primeiro plano elementos que pareciam inteiramente secundários.
Faço pois uma inversão de marcha para chegar á minha infância, à minha casa e à minha igreja. O mais parecido com o que vejo é uma névoa onde me passeava. Mas na verdade não vejo claro o chão que pisava. Sei sim o que me resta de sentimentos em relação aos lugares, objetos, familiares, amigos e alguns acontecimentos mais tocantes. E recordações desordenadas como num conjunto de papéis espalhados pelo chão.
É aí que entra “A CRENÇA”. Julgo – começam as incertezas – que foi o primeiro jornal que tentei ler. Recordo as suas páginas, o toque do papel, o tipo de algumas letras. Não sei o dia em que passei de ouvinte a leitor. Era lido na minha casa. E era meu pai que também lia o “Diário dos Açores” que soletrava quase silenciosamente palavras para ele próprio entender e que escorriam para os meus ouvidos atentos. Assim soube de guerras, chegadas e partidas, vilegiatura, histórias entre o real a ficção. Mas “A CRENÇA” tinha uma característica diferença: era lida quase como um ato religioso, sem ruído de fundo, uma espécie de palavra de Deus que prolongava a sacralidade do domingo como dia sereno, com um almoço especial.
Depois comecei a ser leitor. E lembro de essa pequena folha que ajudei a dobrar, ser uma espécie de jornal diocesano, revista, prolongamento da catequese, lugar de aprendizagem. Voz autorizada. E fui sabendo de um homem – o Padre Ernesto Ferreira – como um pioneiro que contava segredos de Deus e da natureza com um à-vontade de mestre. Mal sabia que o meu terreno de missão seria semelhante, na crença de que pelos media passa o Evangelho de cada dia.
“A CRENÇA” completa cem anos. Merece a celebração de um grande acontecimento. E, pelo que vou acompanhando, continua nos tempos de hoje a ter um lugar pioneiro na imprensa da Diocese. Daí um abraço claro na neblina do tempo.
Pe António Rego