A cor das Ideias

 

Maduro Dias, presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz

Por Maduro Dias

Se há coisa que me incomoda é encontrar uma pessoa sem cor!

Entendo isto de pessoa sem cor, aquela que acha e não acha, assume e não assume, encolhendo os ombros, quando o assunto é um pouco mais rebuscado e, justificando-se, diz que há opiniões e maneiras de ver diferentes e temos de viver com elas.

Por muito que isso possa parecer bem, encontro sempre nisto uma certa veia de Pilatos, lavando as mãos perante o povo de Jerusalém e o imbróglio que lhe tinham colocado diante, com a pessoa de Jesus e a acusação feita.

Quando tenho à minha frente situações como o acto eleitoral que se aproxima dou por mim a pensar nisto de Pilatos, porque uma pessoa não pode – nem deve – assumir o lavar as mãos como resposta e, muito menos como ideia de solução.

Ter cor, para mim, é ter uma ideia, por errada que seja, sobre o assunto em causa e o que fazer perante ele. Ter cor é procurar os outros, com essa ideia de partida, a ver se funciona, se vale a pena tentar, se serve como arrimo para a turbulência do dia a dia.

E porque a cor não nasce do nada, mas da luz e dos lugares onde ela bate e toca, querer ter cor é procurar a luz e perceber as superfícies onde ela bate e toca.

Porque – já agora guardem isto convosco – uma coisa é a cor que vemos reflectida, que resulta de muitas ondas serem absorvidas e outras devolvidas (o branco é a total reflexão e o negro a total absorção) e outra é a cor luz, a cor da luz que bate e toca. Experimentem a ver como fica uma parede amarela se lhe projectarem luz através de uma película azul… vai mostrar-se verde! Um verde que não está nem na parede nem na luz, mas resulta do encontro das duas.

As minhas cores e luzes de inspiração, em ocasiões como esta das eleições, tendem a resultar de memórias e de lembranças de algumas parábolas da Bíblia, e é, a partir delas, que procuro o ponto de encontro entre a luz que ilumina e a superfície que reflecte.

Não sei se já vos disse, mas, num certo Verão da juventude, decidi e li a Bíblia toda, de ponta a ponta. Já me esqueci de muita coisa, mas alguns fogaréus ficaram, como a cena do Poço de Jacob, em que Jesus pede de beber a uma samaritana, o que causa, a ela, muita estranheza, ou a Parábola do Bom Samaritano, onde são zurzidos em palavras duras todos os que fazem de conta que são bons, dignos e respeitáveis.

Acho curioso que, em ambos os casos, a “cor” escolhida para iluminar seja a de alguém de fora e estranho à sociedade judaica ortodoxa e alguns perguntarão o que tem tudo isto a ver com o X ou a cruzinha,  no próximo dia 4.

Depende do olhar, respondo já.

Os Açores continuam a ser demasiado desconhecidos dos açorianos e vivemos numa sociedade demasiado marcada pelo modo anglo-saxónico de reclamar direitos, por tudo e por nada, olhando pouco para o que permanece à nossa volta por fazer, por ajudar, por querer ser, em grupo.

A luz comum, que une e ilumina, para mim pelo menos, a cena do Poço e a Parábola do Bom Samaritano é a de que, juntos, construímos mais e melhor do que em guerra permanente uns com os outros. É a de que o bom olhar é aquele que se debruça sobre o outro com amor, misericórdia e sentido de partilha. E, os Açores precisam, imenso, deste olhar.

Porventura esta conversa será contra a corrente de muitos pensamentos, mas é a minha cor e será essa a luz de inspiração que procurarei, no dia 4!

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