Pelo Pe. Teodoro Medeiros
Asghar Farhadi é o nome e o seu posto é o de Imperador absoluto (algo que não existe, claro). Farhadi merece mais atenção sobretudo dos distraídos destas coisas. Afinal trata-se de alguém de origem aparentemente desprezável (Irão) mas que soube sempre o queria (e o que queria era bom). O seu último filme, “Todos lo saben”, conta com atores tornados internacionais, tais como Javier Bardem, Penélope Cruz e Ricardo Darín.
O enredo é simples: uma adolescente é raptada durante um casamento em Espanha e é pedido um resgate; todos se sobressaltam na família e, perante a ameaça de morte em caso de envolvimento das autoridades, pedem conselho a um polícia reformado. Este, um personagem menor que funciona como uma espécie de narrador secundário, esclarece cedo que deverá ser obra de alguém de dentro.
A desconfiança instala-se; as suspeitas caem sobre quem não está presente para se defender; as aparências dão lugar à manifestação dos descontentamentos reprimidos durante décadas; sujeitos pacatos transformam-se em lobos implacáveis e até um avô decrépito e quase paralítico afronta quem possa estar entre ele e o dinheiro.
Família também é isto: a calma antes da tormenta, o rio insuspeito mas infestado de crocodilos; a memória de dias cuja melhor condição é o esquecimento ou a omissão comprometida. Essa mágoa que não existe até que alguém remexa no passado, a mágoa que é o exclusivo plano de evacuação invisível em caso de crise.
Soa o alarme, cada um assume o seu posto: as verdades amordaçadas, as frases a que se fugiu, as frases que sempre se pensou que não poderiam ser ditas. -“Obrigaste-a a vender-te as terras!”; -“pelo preço que deste, foram quase dadas!”; -“cala-te, por favor!”; -“não… porque me hei-de calar? O que eu digo é a verdade!”.
Pena se vier a acontecer a este filme o que aconteceu ao “Sal e fogo” de Werner Herzog e por causa da propensão do realizador para infringir regras, sobretudo as mais elementares. Herzog construiu um falso thriller para contar uma história invulgarmente íntima e até comovente: o trailer jogava com este disfarce, esta metamorfose humorística e graciosa, dando a ver homens encapuçados e um rapto.
O resultado desta operação? Sobre “Sal e fogo” basta dizer que quem quiser pasmar só tem de dar um salto ao Imdb e ler o que escreveram tantos espetadores. Desiludidos, consideram que é o pior filme alguma vez feito, equiparando o realizador com o mesmo qualificativo dessa meiguice. Tudo porque não corresponde às (suas) expectativas.
Da mesma forma, o filme de Farhadi poderá destruir os sonhos a muito trinca pipocas: um rapto sem investigação, sem polícias durões? Uma solução revelada sem um complicado raciocínio e sem cadeia para ninguém; para quê fazer um filme assim? Para quê um raio X ao homem interior quando o pedido era para comprimido de dormir?
Farhadi não quis fazer um thriller, como prova o facto de não ter nele colocado uma cena terrível que acaba com um personagem a acordar na sua cama, são e salvo do pesadelo que nos foi dado a ver. A essa evidência de caráter científico junta-se o percurso pessoal do realizador, exclusivamente dedicado a dramas que se movem no sentido acontecimento-introspeção.
O seu segredo é a habilidade com que despe as pessoas; esse trazer à luz do mais recôndito arremedo de uma atitude, um gesto temeroso, uma fuga cobarde, uma omissão culposa ou um esgar que aponta para um sofrimento secreto e inconfessável. Mais do que isso, o fazer-nos descobrir que não somos em nada melhores do que aqueles personagens bons (denunciados como crápulas ou, mais simplesmente, humanos).
Talvez não seja bom sinal ir para Espanha caçar celebridades; poder-se-á considerar que a fórmula do realizador está vista, o drama demasiado contido (poucas lágrimas); o fim será previsível; isto não parece trazer nada de novo… e começa devagar, parecendo perdido em primeiros planos médios (estaremos perante uma telenovela?). Qual a razão de um início tão colorido, tão decorativo, se a seguir a alma vai à faca? Não interessa.
Subtrair atores espanhóis ao seu inglês carregado? É uma caridade. Reproduzir os novelos de verdade de “O passado”? Um gesto de filantropia. Apostar na representação enxuta? Não ter surpresas e viravoltas forçadas? Não ser uniforme no ritmo? Só abona.
Vespasiano saiu da Judeia antes da conquista de Jerusalém do ano 70. Regressou a Roma por um caminho mais longo, assegurando o controlo do fornecimento de cereais à sede do império. Quando chegou à cidade eterna, esse facto e a boa nova de que o filho Tito subjugara a revolta judaica (imediatamente precedente à sua chegada) significaram a sua entronização imediata.
Sr. Farhadi, por aqui… tome o seu lugar… ali: no trono por favor.