O Bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, propõe uma reflexão sobre o sentido e o alcance da Semana Santa.
Com o Domingo de Ramos, entramos na Semana Santa, a Semana Maior da Liturgia da Igreja, em que se celebra o Mistério Pascal de Cristo, que culmina na Sua Ressurreição e tem o seu centro na comemoração da instituição da Eucaristia, que «faz memória» da Paixão e Morte de Jesus na Cruz.
Há quem censure o nosso povo, por enfatizar demasiado a celebração de Sexta-Feira Santa. É evidente que a resposta de Deus à Paixão e Morte de Jesus é a Sua Ressurreição, garantia da vitória da vida e do futuro da humanidade, de que a Eucaristia é “memorial e penhor”. Mas, a intuição do nosso povo tem a sua razão de ser. É que o Crucificado é a suprema manifestação do Deus-Amor.
Por isso, a primitiva comunidade cristã sentiu a necessidade de meditar longamente sobre a Paixão de Jesus. É a parte preponderante e mais antiga das narrações evangélicas. Foi à volta dos relatos da Paixão que se formaram as primeiras tradições orais sobre Jesus, que depois foram escritas nos Evangelhos que conhecemos.
Os primeiros cristãos, debruçando-se sobre o mistério da Paixão de Jesus, procuravam dar sentido a uma realidade, à primeira vista incompreensível. E isto: Do ponto de vista humano: como ler todas as outras realidades da vida, que parecem não ter sentido, que parecem derrota e fracasso? E do ponto de vista de Deus: Como é que Deus podia estar com Jesus, na Sua Paixão e Morte? É possível um Messias Crucificado, enviado por Deus? É possível um Deus, feito homem, Crucificado? A Cruz era o suplício dos malfeitores.
Na verdade, o Cristianismo apresenta-nos urna imagem de Deus, de algum modo, embaraçosa: um Deus que se faz homem. Mais: como homem, assume a condição de servo, que dá a vida. Despoja-se da Sua condição divina, recusando toda a espécie de poderio humano. Conforme a expressão paulina, isso é «escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (1 Cor 1, 22). Mas foi assim que Deus-Amor, encarnando, Se revelou como amor.
Um Deus que Se faz homem, sofre e morre numa cruz, é a novidade absoluta do Cristianismo, que não tem paralelo noutras religiões. É, pois, na devoção à Paixão de Jesus que se vive de forma mais profunda o mistério da Incarnação, isto é, a total solidariedade de Deus para com a raça humana, também na dor e no sofrimento.
A Paixão de Jesus não é senão a paixão de Deus pela humanidade: um amor sem limites, que atinge o seu ápice na Paixão e Morte de Jesus na Cruz. Assim, a Cruz, mais do que mensagem trágica, é mensagem de amor.
Jesus foi desafiado a descer da Cruz. Como fez tantos milagres, tinha o poder de descer da Cruz. Não o fez. Se o tivesse feito, teria revelado unicamente o rosto de Deus, como omnipotência. Dando voluntariamente a vida, revelou o rosto de Deus, como omnipotência do amor.
«A Cruz é o lugar em que Deus diz o seu verdadeiro nome, que em nada se confunde com outros deuses; o Seu nome é amor, amor que se faz próximo, Deus-Connosco … E a partir de então, ficamos a saber que não há miséria humana que Deus não possa visitar e partilhar … Onde houver sofiimento, Deus pode fazer com que nasça a vida e nasça com abundância. Foi o que fez na Páscoa, pela Sua graça» (Bernard Rey, Esse JesusChamado Cristo, Ed. Paulinas, p. 105 e 107).
Não é que Deus exija sofrimento e morte, como moeda de troca pela plenitude da vida. Fazendo-Se homem e morrendo na Cruz, assumiu os dramas humanos. Com a Ressurreição de Jesus, rasgou para a humanidade um caminho de vida.
No romance de Dostoievski «O Idiota» – um jovem ateu, mirrado pela tuberculose, pergunta ao príncipe: “É verdade, príncipe, que um dia disseste que a “beleza” salvará o mundo? … Que tipo de beleza salvará o mundo?” O príncipe fica em silêncio e fita o jovem com olhar cheio de compaixão. Estava dada a resposta: a beleza que salva o mundo é o amor que partilha a dor.