Por Carmo Rodeia
No próximo sábado, dia 8, faz um ano que o Papa Francisco publicou a exortação Amoris Laetitia na qual, depois de duas assembleias sinodais, não foge a questões difíceis, sem romper nada em relação ao Direito Canónico ou à Teologia Sacramental, mas abre novas perspetivas em relação à preparação dos casais e à atitude pastoral que a igreja deve ter nestes novos tempos, marcados por novas realidades.
Sem abdicar da norma universal da Igreja, o documento preocupa-se com a inculturação da regra e norma nas situações concretas e subjetivas de cada pessoa, desafiando ao discernimento, como método e caminho.
A exortação, profundamente maternal, percorre todas as circunstâncias da vida das famílias e, para todas elas e em todas elas, deixa uma palavra de acolhimento, de compreensão e de esperança.
A mensagem é a de que independentemente de cada circunstância pessoal, das fragilidades, maiores ou menores, de cada um, a misericórdia de Deus está aberta a todos, porque Deus é Amor.
Ainda me lembro do dia em que o cardeal de Viena, Christoph Schoenborn, a quem Francisco incumbiu da apresentação do texto, reforçou com frontalidade este aspeto: “O Papa Francisco crê no amor, na força atraente do amor, e por isso pode ser bastante desconfiado e crítico relativamente à atitude de quem quer regular tudo com normas. ‘Não’, diz o Papa, ‘isso não atrai; o que atrai é o amor’.” E ele (Amor!) vem nomeado no texto da exortação mais de 300 vezes, quase tantas quantos os parágrafos dos nove capítulos do documento.
De facto, este texto está longe de ser uma exortação sobre a doutrina do casamento, optando por ser mais uma “tese” sobre o amor. O amor na família e como nos devemos preparar para a sua construção, como se de um edifício se tratasse. Sim, porque construir uma família não é rigorosamente a mesma coisa do que casar. Tal como um divórcio não tem necessariamente de acabar com a família. Aliás, se ela foi construída com os tais alicerces não acaba mesmo, apesar da relação entre o homem e a mulher se ter esgotado.
Por isso, este texto, que agora completa um ano e que encerra um programa deliberado de pontificado para a família, procura oferecer-nos particularmente a Alegria do Amor. Não uma alegria qualquer, mas aquela que é fruto do Espírito Santo e que é entrega total.
O Papa Francisco, de modo genial, introduziu uma mudança da disciplina sem pôr em causa a doutrina sobre o matrimónio e a família, numa linguagem simples e direta, que todos percebemos porque nos envolve numa lógica de misericórdia pastoral, encarnada na realidade concreta.
Um ano depois, em que tanto ainda estará por fazer, a pastoral familiar da igreja continua a ter neste documento uma referência que, por um lado, foge ao “desejo de mudar tudo sem suficiente reflexão” e, por outro, “não resolve tudo através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões teológicas”. Até para integrar as chamadas situações irregulares, o Papa nunca equipara uniões de facto ou entre pessoas do mesmo sexo ao matrimónio; nem diz que o primeiro é igual ao segundo casamento e sublinha o ideal da “união entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e livre fidelidade”.
A Alegria do Amor do Papa Francisco é, por isso, talvez um dos documentos mais lúcidos e pragmáticos da igreja nos últimos tempos, sobretudo porque é um texto construído a partir da realidade concreta da família no qual o Papa sugere o Amor como caminho de Alegria… para famílias reais.