Fé e literatura: três ensaios sobre a esperança

Pe José Júlio Rocha reflete sobre três grandes obras da literatura que têm como ponto comum a esperança.

“Se, como dizia Simone de Beauvoir, em todas as lágrimas há uma esperança, é porque esta virtude, quase sempre escondida, brilha sobretudo nos momentos críticos da condição humana. Os primeiros cristãos definiam-na como uma âncora na margem do Além, e nós não podemos fugir a este sentido transcendente, a que chamamos esperança cristã.

Tarefa apaixonante é procurar, na grande literatura, os sentidos que são dados à esperança ou ao desespero, a forma que os escritores lhes dão, enquanto medidores da respiração da humanidade ao longo do tempo. Tomemos como exemplo três autores de três épocas diferentes: Dostoiévski, Kafka e Hemingway. E, deles, três pequenas obras que, por isso mesmo, têm uma densidade poderosa: O Grande Inquisidor, que compõe um capítulo de «Os Irmãos Karamázov», A Metamorfose e O Velho e o Mar.

 

Em O Grande Inquisidor, há uma bipolaridade de personagens: o inquisidor e Jesus, a palavra e o silêncio, a razão e a alma, o poder dos argumentos e a fragilidade do Amor. O desespero da razão (Dostoiévski é um dos tradutores da crise da razão) embate contra o silêncio de Jesus, num estranho jogo de alteridade, onde as acusações do inquisidor mais parecem ser pedidos de socorro. É no desespero de si mesmo que se encontra, residual, a esperança no Outro.

 

N’A Metamorfose, o jogo é entre o interior de Gregor Samsa e o seu exterior, inexoravelmente separados pela carcaça de um insecto. Numa das mais angustiantes narrativas da humanidade, assistimos à tragédia da solidão do homem preso na sua incomunicabilidade. Há, no entanto, uma esperança que nasce precisamente da angústia: que o Outro, o não-Eu me salve, apesar de tal nunca acontecer. Há sempre, em Kafka, uma eternização da espera.

 

Talvez mais terrível, porque menos trágico, é o inexorável destino do Velho de Hemingway. O que mais parece um conto de poucos dias de aventura transmuta-se, pela arte do escritor americano, numa metáfora da Geração Perdida, no retrato de uma civilização crepuscular, onde as grandes conquistas não passam de ilusões e a partida não é mais que um regresso ao ponto de onde se partiu. E o velho regressa exactamente ao mesmo lugar, à mesma solidão, ao mesmo passado, numa espécie de aceitação do destino, sem dor nem esperança.

 

Sentir a respiração de obras como estas coloca-nos de caras com o homem diante da sua condição. E, sobretudo, coloca-nos o desafio de encontrar em Jesus, e na Sua mensagem, uma resposta de plenitude e de sentido às esperanças de cada homem e mulher do nosso tempo”.

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