Por Carmo Rodeia
A pobreza e a degradação ambiental são dois lados da mesma moeda. Esta é a certeza que permeia a encíclica “verde” do papa Francisco, que é muito mais do que uma encíclica ecológica. Aliás, pela primeira vez, há um Papa que adota a linguagem de uma ecologia “integral”, assente essencialmente na ideia do “cuidado”.
O diagnóstico do estado mundo – “a nossa casa comum está a arruinar-se e isso faz mal a todos, especialmente aos mais pobres” – é avassalador: nunca tratámos tão mal o planeta Terra. E, as consequências estão à vista.
O aquecimento global e as alterações climáticas “são galopantes”, os recursos naturais “escasseiam”, o fosso entre ricos e pobres “é cada vez maior”, a economia deixou de estar ao serviço das pessoas e a política “está manchada pela corrupção”, tendo-se tornado numa espécie de marioneta dos grandes poderes e das grandes empresas – que exploram sistematicamente os mais pobres e frágeis.
No fim da linha, o ser humano perdeu toda a liberdade de acção. Infeliz e solitário, refugiado num mundo digital no qual é incapaz de “amar com generosidade”, está entregue ao consumismo sem precedentes, numa sociedade sem ética e sem valores, dominada apenas por uma “cultura do descarte” que se instalou e em que as “coisas e os seres humanos se convertem rapidamente em lixo”.
O mundo, diz o Papa, está numa encruzilhada: desenvolveu-se tecnologicamente mas de forma insustentável. A Ciência e a tecnologia nada têm de errado. O problema está no facto de ambas estarem concentradas nas mãos de poucos, que não as sabem utilizar com retidão, responsabilidade e consciência.
“Não precisamos de voltar à Idade da Pedra” mas era “urgente” recuperar valores, sobretudo uma “ética social” assente no “cuidado”, na “bondade, na honestidade e na fé”.
O exercício que aqui faço é inglório porque o texto do Papa Francisco tem que ser lido palavra por palavra. Mas, o que sobressai neste texto é que Francisco não escreve na qualidade de mestre e doutor da fé, mas como um pastor zeloso, que cuida da casa comum e de todos os seres que moram nela, para além dos humanos. Esta dimensão franciscana de quem procura aproximar o homem de Deus, sem esquecer a ligação do homem às outras criaturas, é extraordinária.
Somos sempre nós e as nossas circunstãncias. Neste texto, as de Francisco relevam-se de uma forma determinante. Tributário da experiência pastoral e teológica das igrejas latino-americanas, Francisco fez uma clarissima opção pelos excluídos, contra a pobreza e em favor da libertação: ver, julgar, agir e celebrar.
Afinal o Evangelho nunca nos propôs outra alternativa, embora às vezes nos finjamos distraídos. Francisco alertou-nos no discurso do inicio do seu pontificado. Insistiu na mensagem na Exortação Apostólica. Regressa ao programa nesta Encíclica Laudato Si. Todos têm aplaudido. Elogiado até. Poucos têm correspondido. Em dezembro há mais uma oportunidade. Oxalá seja a sério.