Entre Junho e Setembro comunidades paroquiais exprimem a sua religiosidade popular honrando os santos padroeiros
O verão açoriano é dominado pelo “império da festa” não existindo paróquia ou lugar que não tenha, no período entre junho e setembro, uma celebração, em que a religião e a cultura popular andam de mãos dadas.
A par das celebrações do Divino Espírito Santo, que nos Açores têm como ponto alto os fins de semana de Pentecostes e da Trindade, começam agora as festas em honra dos padroeiros, que constituem uma oportunidade para que uma determinada comunidade cristã se expresse como comunidade religiosa e cultural. Mesmo nas comunidades mais marcadamente urbanas, há sempre a “festa da igreja”.
Só na Ouvidoria de Ponta Delgada, por exemplo, há neste período 18 festas paroquiais que começaram na cidade com a celebração do Corpo de Deus que reuniu, sobretudo, as cinco paróquias da cidade (São Pedro, Matriz, São José; Santa Clara e Nossa Senhora de Fátima) e prossegue agora com as festas nas diferentes comunidades paroquiais de onde se destacam as festas de Jesus Maria José, Nossa Senhora das Neves, São Nicolau, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora dos Anjos, Nossa Senhora da Oliveira e Nossa Senhora da Ajuda.
São festas cristãs com um programa religioso e cultural, muitas delas muito coreográficas e “se calhar a precisar de serem repensadas”, admitem os responsáveis que vêem nelas “um respirar da comunidade”.
Ainda esta semana, em entrevista à Agência Ecclesia, o Bispo de Bragança Miranda ressalvava a importâncida destas festas, lembrando, no entanto, que o dia da festa do padroeiro “não pode ser um dia de evasão” e deve ser integrado no “dinamismo da evangelização”.
D. José Cordeiro realçou que em determinados locais, e os Açores não são exceção, as festas “transformam-se em simples entretenimento” e com “outros interesses comerciais e lúdicos e não tanto a vivência cristã”.
O prelado que, recentemente, escreveu uma nota pastoral sobre «O sentido autêntico das festas cristãs» sublinha que a parte do convívio e da relação é “extremamente importante”, mas “não nos podemos servir dos santos ou dos padroeiros para outros fins”.
A piedade popular é “um enorme tesouro na vida da Igreja”, mas são “necessários novos enquadramentos e orientações”, apelou D. José Cordeiro.
50 anos depois da «Sacrosanctum Concilium» (Documento conciliar sobre a Liturgia), estas normas ainda não entraram na dinâmica eclesial porque falta “o sentido autêntico” da festa cristã.
É preciso uma “formação permanente dos leigos” e, de um modo especial, “das pessoas que estão nas comissões e nas mordomias”, acrescentou o bispo de Bragança-Miranda.
Para D. José Cordeiro, as festas “não podem ser uma coisa desligada do Ano Litúrgico” e o seu programa “deve ser harmonioso”.
Em relação às despesas e receitas destes momentos festivos, a “transparência deve ser absoluta” e aquilo que “é dado com sentido da esmola” tem a finalidade que a Igreja dá aos bens materiais e “servir para a evangelização”.
Em São Miguel as festas em honra de Nossa Senhora dos Anjos, em Água de Pau, na ouvidoria da Lagoa e as do Senhor Bom Jesus da Pedra, na de Vila Franca do Campo são, porventura as mais concorridas.
As festas em honra de Nossa Senhora dos Anjos celebram-se na freguesia de Água de Pau, ouvidoria da Lagoa, a 15 de Agosto.
É uma das maiores festas da ilha de São Miguel. Milhares de forasteiros concentram-se junto ao ‘Santuário’ da Senhora dos Anjos, sobretudo emigrantes que regressam nesta altura do ano.
Também muito movimentada é a festa do Senhor da Pedra, em Vila Franca do Campo, que tem o seu culto na igreja da Misericórdia.
No último fim de semana do mês de Agosto de cada ano, celebra-se com grande solenidade essa festa do Senhor, que atrai milhares de fiéis.
As fontes documentais sobre esta festa são escassas ainda assim o Pe Padre Ernesto Ferreira sublinhou que “em tempos remotos, apareceu em uma das praias da antiga capital da ilha, um caixote, em cujas taboas estavam escritas estas palavras: «para a Misericordia de vila-Franca do Campo».
Abriram-no e viram com surpresa que encerrava uma primorosa imagem. Como ninguém a encomendara e como a sua proveniência era um mistério, assumiu este acontecimento as proporções de um milagre, que desde logo despertou a devoção popular. O local onde foi achada a imagem se deu a designação, entre os vilafranquenses, de Campo Santo ou Corpo Santo”.
A Festa do Senhor Bom Jesus da Pedra é um dos mais belos exemplos da religiosidade popular açoriana e, para além de uma grande manifestação de fé, é também uma “tradição” que arrasta milhares de devotos à antiga capital da ilha.
No Pico, as festas de verão começam com o Espirito Santo e prosseguem com a celebração dos padroeiros. Primeiro Santa Maria Madalena, ainda durante o mês de julho (de 13 a 22) .
“Com Maria Madalena, da Alegria do Evangelho à saída missionária da Igreja”, é o tema proposto para esta edição que contará com a presença do Cónego Hélder Miranda Alexandre, reitor do Seminário Episcopal de Angra, como pregador. Depois, vêm as festas do Senhor Bom Jesus, em São Mateus, a 6 de agosto, uma devoção que já conta com cerca de 140 anos.
Reportam ao ano de 1862, quando o emigrante Francisco Ferreira Goulart trouxe do Brasil uma imagem do Senhor Bom Jesus, cópia fiel daquelas que se veneram. Esta devoção já cá existia, venerando-se imagens do Senhor Crucificado, como se pode ainda ver nos Inventários das Igrejas Paroquiais. Mas foi a partir da chegada da Imagem a São Mateus do Pico, que mais se intensificou a devoção ao Ecce Homo.
Ainda no Pico, a Festa dos Baleeiros nas Lajes, em homenagem à Senhora de Lourdes é outro dos pontos altos do verão na ilha montanha, na última semana do mês de agosto.
Em setembro, as atenções voltam a centrar-se na Terceira com a festa em honra de Nossa Senhora dos Milagres, na Serreta, já com longa tradição, embora só a 6 de Maio de 2006, por decisão do bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, a igreja paroquial tenha recebido o estatuto canónico de Santuário Diocesano.
Essa elevação oficializa o reconhecimento da fé e da devoção do culto a Nossa Senhora dos Milagres da Serreta que, a cada mês de Setembro, atrai àquele templo cerca de uma dezena de milhar de fiéis provenientes de toda a ilha, de outras ilhas do arquipélago, e das comunidades açorianas emigradas nos Estados Unidos da América e no Canadá.
Muitos dos peregrinos são pessoas que, por circunstâncias muito díspares, já não têm uma prática religiosa institucionalizada, o que faz sobressair o papel que o Santuário da Serreta presta à Igreja Católica Romana, nomeadamente em termos de evangelização e disponibilização de sacramentos aos peregrinos.
Não será exagerado sublinhar que nos Açores as 165 paróquias existentes vivem uma festa de verão.