Por Carmo Rodeia
Palmira e Marinaleda são duas cidades. Pouco ou nada terão em comum, a não ser o facto de, por estes dias, serem notícia. E, nem sequer a geografia as aproxima. Talvez o clima árido e seco possa ditar algumas semelhanças entre estas duas cidades, nos antípodas uma da outra.
Discretamente erguida no centro da Andaluzia esta pequena cidade rural espanhola, onde não existe nenhum polícia (desde 1979 não há qualquer crime); nem desempregados (porque todos os habitantes trabalham numa cooperativa agrícola e recebem um salário de 1200 euros mensais) e ninguém perde a casa por culpa da crise (aliás, todos têm autorização para construir um lar gratuitamente e a câmara até oferece os materiais) mais parece o paraíso na terra. Uma mistura de socialismo e democracia a funcionar de forma improvável em pleno século XXI.
O presidente da Câmara, “dono e senhor” de Marinaleda, defende o seu modelo: “Precisamos de repensar os nossos valores, o consumismo da sociedade, a importância que damos ao dinheiro, o egoísmo e o individualismo”. Palavras sábias se não fossem só palavras.
O outro lado da história, contada por um jornalista holandês que foi lá, atraído pela ideia de uma utopia socialista, é bem diferente. Ninguém pode sair de casa sem que a autarquia fique com a propriedade. Na cidade só há dois cafés, nenhum restaurante, e apenas duas pequenas mercearias. Mas há uma piscina gigante, de que o alcaide muito se orgulha. Que se saiba também não há obras de arte nem nada de muito fascinante para ver; apenas se regista uma particularidade: a impossibilidade do direito à diferença.
Em Palmira, a Veneza das Areias, como lhe chamaram não há autarcas nem piscinas. Mas há um enorme património mandado construir pela rainha Zenobia, também conhecida como a Cleopatra da Síria. Por aqui passa o coração da história que é de todos. E que o Estado Islâmico quer destruir.
Palmira foi uma das cidades mais importantes na rota da Seda e assume-se como uma espécie de oásis no deserto sírio, visitada por mais de 100 mil turistas por ano.
Conhecida pelas ruínas históricas, que a UNESCO declarou “Património da Humanidade” em 1980, tem vestígios de semitas, gregos e romanos e é considerada um dos marcos arquitetónicos mais relevantes da história romana, em pleno deserto de Damasco.
Foi tomada a semana passada pelo autoproclamado Estado Islâmico, que de estado verdadeiramente apenas possui algumas aparências e que não é reconhecido por qualquer poder local, regional ou internacional. A sua composição heteróclita, em que se juntam desafetos da Al Qaida do falecido Osama bin Laden, oficiais e soldados do antigo exército iraquiano, entre muitos outros contributos, particularmente europeus, faz deste “bando” um sarilho político e militar para toda a humanidade. Um sarilho que a geopolítica moderna tornou possível, sem que hoje consigamos perceber quem são os amigos, os aliados e os inimigos. Apenas sabemos, pela propaganda, que o terrorismo islâmico é uma forma de ser moderno.
Em Palmira, tal como em Marinaleda, e com as distâncias óbvias, a começar pela importância de cada uma delas, as motivações são humanas e têm subjacentes uma certa ideia de poder, que não é serviço, mas proveito; que não respeita a diferença nem a liberdade.
Ao atacar Palmira, o Estado Islâmico sabe que está a destruir não só o património sírio, mas um património universal, onde se cruzaram de forma harmoniosa muitas culturas, dois mil anos antes de Cristo. Portanto, uma antítese de tudo o que o Estado Islâmico defende. Em Marinaleda, quem manda sabe que a liberdade tem um custo, que pode ser a perda de poder.
Às vezes fico com a sensação de que a história de Babel não foi lida…ou pelo menos compreendida e os homens querem ser sempre mais do que aquilo que são.