“A vida humana aumentou mas o coração não cresceu”

Por Carmo Rodeia

Há pouco mais de um mês o Papa Francisco advertiu que abandonar os idosos “era um pecado mortal” e que “sem honrar os idosos não havia futuro para os mais jovens”. Sublinhou, ainda, que os idosos deviam ser para toda a sociedade “uma reserva de sabedoria”.

O Papa nas suas metáforas, cada mais assertivas, disse que graças ao progresso da medicina hoje a esperança média de vida aumentou, mas “o coração não cresceu” .

Vem isto a propósito da notícia desta segunda feira que dá conta duma nova mexida do Governo na legislação da Direcção-Geral da Ação Social, cuja primeira medida é o aumento do valor da comparticipação do idoso, em proporção do seu rendimento, para o pagamento dos lares da rede social.

Para calcular o rendimento do idoso não contará apenas, como até aqui, o valor da pensão que recebe. A nova regra inspira-se no cálculo do IRS. Ou seja: a existirem outros rendimentos – patrimoniais, prediais, de capitais ou outros – eles contarão para definir a comparticipação.

Os parceiros sociais estão satisfeitos e dizem que a medida vem garantir a sustentabilidade financeira das instituições, porque hoje “a realidade dos lares é diferente” e as pessoas “precisam de cuidados mais diversificados” que exigem “muito mais mão de obra especializada”.

A premissa é sempre a mesma: “É preciso fazer face aos custos”, sobretudo porque a comparticipação média da Segurança Social por idoso é de 362,49 euros por mês (quando deveria ser mais) e o custo real de um idoso num lar nunca é abaixo dos mil euros por mês.

E depois vem aquele argumento da progressividade que todos conhecemos: quem tem mais paga mais, como se fosse a verdade mais absoluta deste mundo.

No fundo, é o diferencial entre o que custa um idoso e aquilo que o Estado paga, que as IPSS´S quiseram ver diminuido, revendo as fórmulas de cálculo, e introduzindo outra novidade: os critérios que regem as negociações com os familiares do idoso, para a eventual comparticipação destes, passam a estar inscritas no regulamento interno das instituições.

Trocando tudo isto por miúdos, as contas são mais ou menos assim: um idoso que receba 485 euros mensais de pensão e não tem nenhum outro rendimento, mas perdeu total autonomia, poderá ter de pagar até 436 euros por mês para ter os cuidados no lar ou instituição de solidariedade social onde vive. Antes pagava 412 euros por mês.

Com o aumento da esperança média de vida, há mais idosos numa situação de grande dependência e, cada uma das pessoas a viver num lar da rede solidária, representa um custo mais elevado.

É a velha  lógica da sociedade atual, marcada pela “cultura do descartável”, que “abandona os idosos”, onde muitos deles “vivem com angústia” cientes de que são vistos apenas como “um custo pesado”.

Os idosos são homens e mulheres, pais e mães, que estiveram no nosso caminho, na nossa casa, na nossa batalha quotidiana por uma vida boa, de quem recebemos muito. E ninguém lhes lembrou que eram um custo… sem valor.

O idoso não é um estranho, somos nós. Dentro de muito ou pouco tempo, é inevitável. Seremos tratados como eles. E nem assim, nos comovemos.

 

 

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