O que é bom, às vezes não se vê

Antoine de Saint-Exupéry, autor do celebérrimo Principezinho, escreveu que “só se pode ver bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.

Aos olhos e aos ouvidos, porque também se não escutarmos com o coração, ficamos como que surdos.

Vivemos um tempo de crise, com inúmeras dificuldades. É ponto assente que o fosso entre ricos e pobres aumentou desmesuradamente; que a muitos jovens foi roubado o futuro; que há milhares de cidadãos refugiados da guerra, da fome ou da perseguição religiosa; que a intolerância religiosa, racial e social fermenta a olhos vistos ou que o homem com a sua ganância está a dar cabo do ambiente e da vida. Mas, o desafio dos tempos de crise é também uma espécie de convocatória para uma viragem, a um novo rumo. E, por isso, este bem pode ser “o tempo favorável”.

Relendo o Hipopótamo de Deus, do Pe José Tolentino de Mendonça, tropecei na história de um homem que pediu a Deus uma coisa desmedida, mas que Deus atendeu imediatamente. O homem pediu a Deus que o visitasse em sua casa. Mal ouviu o sim de Deus, começaram os preparativos para o receber. No dia combinado o homem colocou-se à soleira da porta à espera de Deus. Primeiro apareceu um miúdo que, saltando pela janela, com fome,  tentava roubar-lhe uma maçã, o que ele impediu escorraçando-o com um enorme ralhete. Ao meio dia, um mendigo pediu-lhe esmola ao que ele respondeu que se fosse embora porque estava à espera de um hóspede ilustre. À tarde, um viajante cansado pediu-lhe hospedagem mas ele disse que não o podia acolher porque estava à espera de Deus. Só Deus é que não veio e ele estava tristíssimo e não se coibiu de o dizer na oração da noite. Porém Deus respondeu-lhe: “”Por três vezes tentei entrar em tua casa, mas em todas elas me impediste”.

Não precisamos de grandes confortos nem de grande alindamentos para chegarmos a Deus. Ele está na vida de todos os dias, nas coisas e nos gestos mais simples que nós desprezamos ou desvalorizamos, justamente pela sua simplicidade. De que serve amarmos Deus se não amamos o nosso irmão?

É, porventura,  um dos pecados de que precisamos de nos arrepender. Sem hospitalidade não há acolhimento e sem acolhimento não há encontro.

A conversão proposta para esta Quaresma poderia passar por aqui: abrir os olhos e o ouvido do coração. Talvez o nosso cristianismo fosse menos uma verdade em que temos de acreditar e mais uma vida que temos de viver. E viver bem, com felicidade. É um dever e não um direito.

 

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