A Cáritas de São Miguel apoia mensalmente 400 pessoas, embora nos últimos tempos se registem “mais pedidos de apoio”.
Sobretudo, alimentação e dinheiro. O Presidente da Càritas de São Miguel, José António Gomes, em entrevista ao Sítio Igreja Açores diz que a instituição tem procurado “adaptar as suas respostas ás necessidades do momento” através de “parcerias”. Elege o desemprego como a principal chaga social mas não deixa de apontar o dedo a quem precisa de ajuda: “Por vezes existe uma predisposição das pessoas em não alterarem o seu estatuto, em não se ajustarem a novas situações mais exigentes e portanto mais difíceis”.
Sítio Igreja Açores- Os pedidos de ajuda à Cáritas têm disparado com a crise?
José António Gomes– De fato confirmamos que os pedidos de ajuda têm vindo a aumentar. Mensalmente, no conjunto de todos os apoios, podemos referir que temos vindo a apoiar uma média de 400 pessoas.
Sítio Igreja Açores- Houve, nos últimos tempos, uma variação nos pedidos de ajuda feitos à Cáritas no que respeita à natureza do pedido?
José António Gomes- Consideramos que existe uma determinada interdependência entre a natureza do pedido e a natureza das respostas sociais existentes, ou seja, existem pedidos que surgem espontaneamente, em função de uma necessidade concreta a par de outros que chegam já com conhecimento prévio da existência de uma resposta específica.
Nos últimos anos, como solicitações mais frequentes temos registado o apoio à alimentação e os apoios de caráter financeiro.
Sítio Igreja Açores- Parece, por vezes, que já não são só os pobres tradicionais que recorrem à assistência. Há novos pobres. Como é que a Cáritas está a lidar com esta situação?
José António Gomes- A pobreza à semelhança de outros conceitos evolui no tempo e no espaço em função dos contextos históricos, socioeconómicos e culturais que concebem a perspectiva de um projeto de desenvolvimento integrado para cada ser humano, enquanto cidadão de uma determinada sociedade.
De acordo com este prisma e atendendo a que a pobreza se concebe pela ausência de recursos que levam a situações de precariedade, as necessidades sentidas pelas pessoas, embora, por um lado, se continuem a manifestar no domínio primário, ou seja, ao nível das necessidades básicas como alimentação, saúde, vestuário e habitação, por outro lado, atualmente, verificam-se outras necessidades que se identificam com a grande necessidade de apoio financeiro para fazer face a despesas como empréstimos de habitação ou créditos pessoais.
Nesta óptica, há uma década atrás não encontrávamos este problema conjuntural tão interligado com o fenómeno da pobreza, daí que falem numa nova classe de pobres.
Face a esta nova realidade, a Cáritas tem procurado nos últimos anos, estabelecer novas parcerias com diversas entidades institucionais e privadas, através das quais tem sido possível alargar o âmbito das respostas ao nível do apoio financeiro e da alimentação. Nos dois últimos anos, através das campanhas de recolha de alimentos, tem sido possível alargar o numero de apoios em alimentação.
Contudo, é preciso não esquecer que a pobreza nos Açores ainda está muito associada a uma questão cultural e educacional. Por vezes existe uma predisposição das pessoas em não alterarem o seu estatuto, em não se ajustarem a novas situações mais exigentes e portanto mais difíceis.
Sítio Igreja Açores- Até que ponto podemos dizer que as pessoas que davam donativos estão agora a pedir apoio à Caritas?
José António Gomes– Verificamos que esta realidade tem acontecido num número muito reduzido de casos.
Sítio Igreja Açores- Quem são as pessoas que estão a pedir ajuda?
José António Gomes- O perfil das pessoas que nos solicitam apoio é bastante diversificado. Apoiamos desde casos individuais em situação de exclusão social grave (sem abrigo e dependentes) a agregados familiares cujas principais problemáticas são o desemprego. São realidades que desencadeiam a precariedade económica/insuficiência de rendimentos, o sobre endividamento, a dependência dos serviços existentes (prestações sociais), bem como, pessoas que vivem em situação de pobreza envergonhada.
A nossa intervenção não exclui ninguém, mas procuramos estar atentos a todos aqueles indivíduos ou famílias, que há semelhança de qualquer cidadão comum estão susceptíveis a passarem por uma fase de maior aflição ou carência e que não se sentem à vontade para se exporem.
Sítio Igreja Açores- A Cáritas ainda tem capacidade de resposta?
José António Gomes- Apesar de constatarmos que os meios disponíveis não são suficientes para fazer face a todos os pedidos vamos dando resposta em função dos recursos existentes. Estes recursos traduzem-se numa rede de parcerias que desenvolvemos na comunidade através de donativos de empresas, entidades bancárias e a sociedade civil. Assim, com os recursos disponíveis, procuramos dar as respostas adequadas às necessidades emergentes, como tem sido o apoio para óculos e próteses através do Fundo Social Solidário, à alimentação, à habitação e ao vestuário entre outros.
Sítio Igreja Açores- A sociedade civil está a contribuir para o combate à pobreza?
José António Gomes- Indubitavelmente a sociedade civil tem-se mostrado sempre disponível para colaborar diretamente nas campanhas que a Cáritas tem desenvolvido. Salientam-se os casos da Recolha de Alimentos realizada no âmbito da Semana da Caritas, da Campanha “10 Milhões de Estrelas” na época natalícia ou diariamente através de donativos de vestuário e pontualmente de donativos em géneros alimentares e dinheiro. Neste sentido entendemos que a sociedade está a assumir um papel ativo, envolvendo-se em iniciativas ligadas à luta contra a pobreza.
Sitio Igreja Açores- São Miguel é a ilha com mais pessoas dependentes do Rendimento Social de Inserção. Os Açores são a terceira região do país com mais beneficiários em termos absolutos, depois dos distritos do Porto e Lisboa. Tem havido alguma distração em relação a estes sinais?
José António Gomes- Do nosso ponto de vista, esta situação deriva de um ciclo que inevitavelmente é desencadeado pelo aumento desemprego, constituindo uma resposta social do Estado destinada a assegurar um mínimo de dignidade humana, face a casos extremos de insuficiência dos orçamentos familiares.
Assim sendo, não consideramos propriamente uma distração, mas a reposta que existe para garantir as necessidades mínimas das pessoas que vivem numa situação precária.
Sítio Igreja Açores- Como é que vê o papel do estado no “ataque” a este problema?
José António Gomes– Consideramos que o papel do Estado no combate a este problema reside em dar continuidade às políticas de promoção do emprego já existentes, sejam elas, programas de incentivo ao primeiro emprego, ou programas ocupacionais, mas ambos promotores do crescimento e desenvolvimento económicos.
Por sua vez, o fato da legislação do rendimento social de inserção ser atualmente mais criteriosa permite uma maior fiscalização e controlo da atribuição dos apoios sociais, garantindo-se, por essa via, uma maior eficácia das verbas para este fim disponibilizadas.
Sítio Igreja Açores- Preocupa-o que muita gente possa acomodar-se ao subsídio de desemprego, embora os critérios para a sua atribuição sejam cada vez mais seletivos?
José António Gomes– A acomodação ao subsídio de desemprego é um risco que se corre, como na atribuição de qualquer tipo de apoio social, todavia, em função dos critérios de atribuição se terem alterado esse risco é cada vez menor.
Sítio Igreja Açores- As paróquias são os primeiros a quem se recorre. Até que ponto estão disponíveis para a ação social?
José António Gomes- A Cáritas tem vindo a desenvolver um projeto de formação, intitulado “+ Próximo”, com o intuito de descentralizar a sua intervenção de natureza social e promover a criação de novos grupos ação social paroquial e reforçar as competências dos grupos já existentes.
Gostaria de salientar que existem atualmente grupos de ação social em muitas das paróquias da Ilha de S. Miguel (núcleos de Cáritas, Vicentinos e Outros) que promovem um trabalho da maior relevância junto das populações mais carenciadas das suas comunidades.
Sítio Igreja Açores- Por vezes há a sensação de que o trabalho em rede é mais no discurso que na prática. Como é que a relação da Cáritas com outras instituições sociais?
José António Gomes- A relação da Caritas é de grande abertura e disponibilidade com todas as instituições sociais, públicas e privadas, dado que primamos o trabalho em rede e em parceria, tendo sido o mesmo determinante para a realização da nossa intervenção social e prossecução dos nossos objectivos. Articulação é a palavra chave no desenvolvimento do nosso trabalho.
Sítio Igreja Açores- Nos Açores parece que o pico da crise está a chegar agora. O ano começou com anúncio de despedimentos nas lajes; na Sata, problemas nas pescas e na agricultura. De repente parece que tudo começou a acontecer. Teme que a situação social da região possa vir a piorar?
José António Gomes- A Cáritas da Ilha de S. Miguel, pela ação de proximidade que desenvolve com as pessoas, tem como principal preocupação e objetivo dar resposta positiva às solicitações de apoio que lhe são apresentadas. Face a aumentos desses pedidos, temos procurado encontrar respostas adicionais, tendo uma consciência muito clara de que os recursos são limitados e de que o trabalho em rede e em parceria é o caminho trilhado e a trilhar.