A Igreja é quase sempre evocada pelas más razões.
Sobretudo para se dizer mal dela, ou porque está minada pela corrupção e pela pedofilia, ou porque os padres não podem casar, ou porque não reconhece o direito dos homossexuais ao casamento ou a adotar crianças ou porque discrimina as mulheres, que não podem celebrar… o julgamento da igreja faz-se sempre ad contrário, ou seja, não por aquilo que faz e que é surpreendentemente muito, mas por meia dúzia de questões fraturantes, que estão muitas vezes apenas e tão só na agenda de alguns.
É raro ouvirmos e vermos nas notícias o lado da igreja solidária, da que ouve e da que é parceira do Estado mesmo quando este lhe é padrasto, deixando o problema à porta da casa sem se preocupar em saber se há espaço para cuidar dele.
É tão raro que até nos esquecemos que se não fossem as organizações, os voluntários e os movimentos de ação sócio caritativa da igreja, em momentos de crise como aqueles que vivemos, se calhar a miséria humana ainda era maior.
Mas nada disso importa porque a atualidade noticiosa é feita de outras coisas: manifestações, picardias partidárias, diatribes entre governo e oposição, números… e poucas pessoas.
Justamente por isso se tornam mais incompreensíveis alguns critérios noticiosos.
Durante a visita do Papa às Filipinas, o mundo acordou com a informação de que Manila tinha acolhido a maior manifestação religiosa de sempre, congregando 6 milhões de pessoas em volta do Papa Francisco, numa Eucaristia à chuva, onde o responsável máximo pela igreja católica disse coisas importantes cumprindo à risca o “mandato” do Evangelho: denúncia e profecia.
Denunciou a corrupção; insurgiu-se contra a instrumentalização da pessoa humana e sublinhou as crescentes e ferozes desigualdades, que colocam uns quantos num patamar de abundância e até de opulência e a maioria na miséria. Falou do papel da mulher na sociedade e do seu contributo para um mundo melhor; hostilizou a mentira repetidamente dita por alguns que constitui “a grande ameaça ao plano de Deus” e denunciou a indiferença daqueles que acham que promovem a dignidade humana dando esmolas. No essencial falou dos males da nossa sociedade que estupidamente persistem. E acenou, em alternativa, com um modelo de sociedade que tem por base o primado da pessoa, do respeito pela sua dignidade.
Mas nada disso foi notícia, já não digo de abertura de noticiários mas pelo menos de alinhamento inicial. Foi preciso passarem 24 horas e o Papa falar que os católicos não “precisam de se comportar como coelhos” no que à procriação diz respeito, para que a notícia sobre a visita de Francisco às Filipinas, subisse uns degraus valentes na importância dos alinhamentos dos telejornais, como um assunto de “enorme atualidade”. Aquela que diária e freneticamente se alimenta de tudo sem se dar conta do que realmente importa. Aquela que pega nos temas fraturantes e faz deles casos de vida ou de morte, mas que esquece esta enorme capacidade de mobilizar em nome do bem.
Tem razão o papa Francisco quando na sua mensagem para o 49º aniversário do Dia Mundial das Comunicações Sociais aponta o dedo a uma comunicação moderna que “simplifica, contrapõe as diferenças e as visões diversas”, em vez oferecer uma “visão de conjunto”.
“O desafio que hoje se nos apresenta é o de aprender de novo a narrar”, observa o Papa. E, narrar significa contar a história toda e não nos ficarmos apenas por pouco menos que a metade.