A Igreja só cumprirá o seu papel se for testemunha de uma mensagem positiva. A opinião é do Pe Abílio Pina Ribeiro, sacerdote claretiano que vai orientar os dois primeiros turnos do retiro do Clero da Diocese de Angra, nas próximas duas semanas
Sítio Igreja Açores- Qual é o tema central deste retiro?
Pe Abílio Pina Ribeiro- O retiro dos sacerdotes, que também pode ser chamado de exercícios espirituais, tem como finalidade fazer uma pausa no dia a dia dos sacerdotes para que procedam a uma revisão. A vida de um sacerdote é hoje em dia uma correria continua e por isso, mais necessário é que os padres tenham esse tempo para corresponderem ao convite de Jesus aos apóstolos, quando eles regressaram da missão radiantes e Jesus depois disse-lhes “vinde e descansai um pouco”. Este descanso não é físico mas sobretudo mental, para carregar baterias, para depois continuarem a caminhada de serviço ao povo de Deus.
Sítio Igreja Açores- Ainda assim essa pausa também deve ser motivadora…
Pe Abílio Pina Ribeiro– Nós vamos centrar o retiro nas bem-aventuranças, não só porque são a magna carta de Jesus mas também porque permitem fazer a revisão de vários aspetos da vida sacerdotal. Desde logo o desprendimento, a misericórdia, a compaixão que fazem parte dessa igreja em saída de que nos fala o Papa; a paz de que devemos ser promotores e por aí fora. É um texto inspirador que serve bem de fonte para alimentar a reflexão, a oração e daí se retirarem conclusões pastorais.
Sítio Igreja Açores- Que interação espera destes 34 sacerdotes e dois diáconos que aqui vão estar?
Pe Abílio Pina Ribeiro- Os dois protagonistas do retiro são o Espírito Santo e é cada um de nós, por outro lado. O fruto do retiro depende desta sinergia, desta fusão de atividades e de comunhão de espíritos. É claro que hoje espera-se que um sacerdote vá renovando permanentemente a sua vida, porque vivemos num mundo em mutação constante. E a igreja tem uma mensagem que precisa de ser transmitida e aplicada conforme as circunstâncias. Que estão a mudar constantemente.
Sítio Igreja Açores- O facto de vivermos um tempo especial, diferente, com tantos problemas, deve exigir outra presença da igreja no espaço público sobretudo para cumprir a missão evangélica da denúncia?
Pe Abílio Pina Ribeiro- O evangelho tem as duas faces: o anuncio de uma mensagem, a boa nova , de alegria e de esperança e a denúncia de tudo aquilo que se opõe ao que Jesus disse que não era do reino de Deus. E é esta a missão profética da igreja, que consiste em propor uma alternativa à situação atual em nome do evangelho, que nos vai dar algumas linhas orientadoras para que a sociedade se aproxime daquilo que é o reino de Deus.
Sítio Igreja Açores- E essas linhas são claras?
Pe Abílio Pina Ribeiro– Teoricamente sim. Os documentos da igreja como por exemplo a exortação do Papa Francisco- A Alegria do Evangelho- têm essa orientação bem explicita; o rumo está bem traçado o que não quer dizer que no dia-a-dia, no mundo concreto, essa mensagem seja compreendida e aplicada por todos. Aí depende da cultura, da sensibilidade, da espiritualidade e até da própria ação de cada pessoa. Uns conseguem ir mais longe; outros nem tanto porque a própria conceção de igreja não é uniforme. A começar logo pelos próprios Papa. A conceção que o papa Francisco tem de igreja é diferente da de Bento XVI. Desde logo porque as suas circunstâncias também são diferentes. Bento XVI era um homem de cúria; o Papa Francisco é um pastor de uma comunidade com muitos problemas.
Sítio Igreja Açores- O Espírito Santo sabe sempre inspirar os homens para que escolham o perfil certo para as circunstâncias de cada tempo. Com quem se identifica mais?
Pe Abílio Pina Ribeiro- Não é fácil responder a essa pergunta. Dos papas da minha vida há dois que me encantam pela forma como se expressavam: Paulo VI e Bento XVI. No entanto, para a minha sensibilidade eu estava à espera que viesse alguém mais claro, mais frontal e mais sincero. Talvez não com uma mensagem tão correta ou aprimorada como a desses papas, mas que chegasse mais às pessoas…
Sítio Igreja Açores- Achava que a igreja precisaria de um pastor…
Pe Abílio Pina Ribeiro– Sim… por aí. Por vezes não primam pelo rigor mas a sua linguagem direta aproxima-os das pessoas e dos seus problemas concretos, dando-lhes uma mensagem clara.
Sítio Igreja Açores- Está a referir-se por exemplo a estas últimas intervenções do Papa Francisco sobre a sexualidade ou o terrorismo?
Pe Abílio Pina Ribeiro- Não tanto a essas , mas por exemplo, ao seu discurso no dia 22 de dezembro na Cúria, identificando cada uma das doenças que em seu entender estão a afetar a igreja. E, com a particularidade dele não se ter excluído de qualquer uma dessas doenças, dizendo mesmo que ninguém poderia dizer que não sofria dessas doenças sem correr o risco de fazer como o fariseu do templo. Estas doenças podem existir em cada pessoa, em cada diocese, em cada congregação…esta mensagem encantou-me e foi tão clara e tão forte que despertou consciências que se calhar numa linguagem mais cuidada não teria porventura o mesmo impacto. Já estas duas últimas intervenções foram um deslize, um excesso de linguagem com o qual não me revejo. Francisco é um papa que se expressa coloquialmente, ao contrário de outros; o que não pode é dar aso a que depois as suas palavras se virem contra si.
Sítio Igreja Açores- Está a querer dizer que corremos o risco de que o Papa perca o essencial da mensagem através da forma ou da metáfora?
Pe Abílio Pina Ribeiro– Sobretudo começa a expor-se de uma maneira que não é boa para si, nem para a mensagem. Deu o flanco permitindo que certas pessoas utilizassem pormenores menos felizes em vez de atenderem à mensagem e à quantidade de coisas positivas e boas que este papa tem dito e tem feito.
Sítio Igreja Açores- Desde logo dentro dos sectores mais conservadores…
Pe Abílio Pina Ribeiro- Mesmo na sociedade civil. Encontraram um pé para fazer comentários menos positivos… e isso é de se evitar.
Sítio Igreja Açores- Este Papa por vezes dá a sensação de que anda mais depressa do que a velocidade a que a igreja nos habituou. Corremos o risco das veredas não se transformarem em caminhos?
Pe Abílio Pina Ribeiro– Não creio que exista esse perigo. O papa vem de uma experiência de contacto vivo e diário com um povo de uma cidade complexa, com situações muito graves. Por outro lado, ele dá-se conta da globalização do hedonismo e do individualismo e do facto de se ter institucionalizado a injustiça. Ora, o Papa luta todos os dias contra isso e o modo como o faz, de forma direta, faz todo o sentido porque avivaa verdadeira mensagem das coisas. O facto de poder não ser acompanhado por muitos, isso não quer dizer nada.
Sítio Igreja Açores- O papa tem apelado a mudanças da pastoral pedindo mais encontro e maior proximidade, sobretudo ao clero a quem pede que seja pastor e que se faça sentir entre o seu rebanho…
Pe Abílio Pina Ribeiro– Sim… o que importa é que sejam sacerdotes sejam leigos tenham uma visão de esperança para transmitir. Os sacerdotes, desde logo, não podem deixar-se influenciar por uma mentalidade derrotista e pessimista ou negativa em relação à sociedade. Existem muitos problemas mas os tempos são também esplêndidos e cheios de oportunidade para o Evangelho. Quem conduz a igreja é o Espírito Santo e, por isso, não devemos consumir-nos com ideias negativas.
Sítio Igreja Açores- Reconhece, no entanto, que hoje é difícil ser optimista e transportar essa mensagem positiva, quando o horizonte está tão carregado…
Pe Abílio Pina Ribeiro– Eu creio que a nível do testemunho é que está o ponto mais importante. Nós temos que viver de tal maneira que dê a entender ao mundo que há alegrias para além das que ele vai espalhando, para além do ter e da propriedade. Nós só apontamos um caminho se formos capazes de acreditar e de transmitir que existe uma alegria para além daquela que a vida mundana nos dá. Todos tendemos para a felicidade e a nossa mensagem tem de ser coerente. Não precisamos de apresentar soluções muito concretas porque não só não as temos como não é da nossa competência, porque dependem de muitos outros factores.
Sítio Igreja Açores- Temos todos formação ao nível do clero e, sobretudo dos leigos, para fazer isso?
Pe Abílio Pina Ribeiro- Temos que ser discípulos. Todos sem exceção. Se olharmos para o conjunto, eu diria que o nosso laicado ainda não está totalmente preparado. Mas está inegavelmente melhor. Temos muitos leigos esclarecidos e comprometidos. Estamos a criar uma consciência de que a Igreja somos todos. Hoje todos somos membros vivos da igreja e todos temos responsabilidades.
Sítio Igreja Açores- Nos Açores o ano pastoral está marcado por esse convite à missão, a partir das periferias…
Pe Abílio Pina Ribeiro- Esse é também o tema central da Exortação Apostólica. O Papa um dia utilizou a expressão do livro do apocalipse onde se refere que Jesus bate à porta para entrar nos corações, mas também bate para sair. Então temos de ir ao encontro, sobretudo das periferias. As existenciais e as geográficas, as primeiras são as que têm mais que ver connosco. Tantos de nós que não temos sentido para a vida, sofremos a miséria física e mental… estas são as periferias que deveriam estar no centro de tudo, do nosso coração cristão, dos políticos, dos empresários… ora, é ao encontro dessas pessoas que temos de ir, quais pescadores de homens.
Sítio Igreja Açores- A imagem da rede tem a ver com a igreja em saída…
Pe Abílio Pina Ribeiro- Sim sem dúvida. Nós hoje temos pessoas sedentas de amor e de valores que a sociedade não lhes oferece. Mas também há muitos que vivem na indiferença. Ora a nós cabe-nos o papel de despertar o mundo. Ora é justamente isso que se faz num retiro: fazer um exame de consciência, analisar a nossa vida, corrigir o que está mal e recuperarmos baterias para sermos despertadores.