Escrevo estas linhas no “dia dos amigos” – feliz tradição açoriana! – e para todos eles.
Um dos maiores escândalos que sempre perturbaram profundamente o testemunho cristão é a sua falta de unidade. No famoso capítulo 17 do Evangelho de João, Jesus pede ao Pai que os seus “sejam um só, como Nós somos Um” (Jo 17, 22). Jesus dirige-se não só ao grupo dos Doze, mas a todos os que acreditarão pelo seu testemunho. A dimensão vertical da unidade funda-se na relação entre Jesus e o Pai. A dimensão horizontal concretiza-se no amor presente nas relações entre os membros da comu-nidade cristã. Nenhuma das duas é simples expressão de solidariedade humana ou criação de uma estrutura institucional, porque a raiz está na revelação do Pai que acontece em Jesus. O Evangelho não nos apresenta a unidade como uma experiência privada da comunidade cristã, porque lança o repto ao mundo. O seu objectivo não é desafiar o mundo com uma espécie de programa de reforma de tipo comunitário, mas a mensagem da relação trinitária, que muda a ideia acerca de Deus e consequentemente da humanidade.
Os Padres da Igreja deixaram-nos textos preciosos neste sentido. No séc. I, Santo Inácio de Antioquia afirmou genialmente que “a Igreja de Roma preside à caridade”, e na sua carta aos Efésios afirma: “Esta vossa concórdia e harmonia na caridade é como um hino a Jesus Cristo. Procurai todos vós formar parte deste coro, de modo que, harmonizados pela concórdia, recebendo a harmonia de Deus na unidade, possais cantar em uníssono por Jesus Cristo ao Pai”. S. Cipriano de Cartago ainda vai mais longe. Na sua carta a Antoniano afirma: “qualquer que seja a sua notorie-dade e condição, não é cristão o que se encontra fora da Igreja de Cristo. Pode jactar-se e orgulhar-se da sua própria filosofia e eloquência; quando não conserva nem a caridade fraterna, nem a unidade da Igreja, perdeu toda a sua condição anterior”.
A história bimilenária da Igreja deixou-nos feridas profundas de separação. Os cristãos dividiram-se e escandalizaram, perdendo credibilidade. Muitas foram as tentativas de recuperar unidade, quase sempre heróicas e nem sempre aceites ou seguidas. O Concílio Vaticano II quebrou muros a favor da unidade dentro e fora da Igreja, abrindo as portas a outras religiões e crenças. S. João Paulo II reuniu em Assis os representantes e chefes de muitas religiões, num gesto verdadeiramente profético e desafiador. Nem todos viram com bons olhos esta abertura. O caminho ecuménico tem sido espinhoso e difícil. O Papa Francisco continua esta senda, assim como o fez o seu antecessor. Já foram vários os seus encontros com outros chefes e guias religiosos, na Terra Santa, na Turquia, no Sri Lanka…
Recentemente apelou ao respeito pela liberdade religiosa e de expressão, na sequência do que aconteceu em Paris. Sem respeito pelas liberdades, não pode haver unidade.
Dentro de portas, como vivemos esta unidade? O nosso Bispo escolheu como lema do seu episcopado “sint unum”. Passados quase 20 anos à frente da nossa Diocese, o caminho continua a ser longo e difícil, por culpa nossa. Há tanto a fazer, de olhos nos olhos! Que esta semana de oração pela unidade dos cristãos nos interpele seriamente, ou corremos o risco de ficarmos sós e a falar para poucos.