As alterações ao modelo de financiamento das IPSS´s na região foram aprovadas no Parlamento. Diploma prevê maiores responsabilidades e encargos para as famílias.
O diploma que altera o Código de Ação Social, em vigor desde o ano passado, foi ontem aprovado na Assembleia Legislativa dos Açores embora as Misericórdias, parceiros do Governo Regional na prestação de apoio social, desconheçam “efetivamente” as alterações introduzidas.
“Não temos uma noção clara dos padrões que lá estão definidos e sobretudo daquilo que podem representar em termos de consequências para a Misericórdia de Angra e julgo que nenhuma das outras Misericórdias na região o terá” disse ao Portal da Diocese o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Angra do Heroísmo.
Também o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada desconhece o estudo que esteve por detrás desta opção governamental e revela “alguma apreensão quanto à disponibilidade de meios para garantir serviços de qualidade”.
Em causa está a definição de um valor padrão a partir do qual se estabelecerão as relações financeiras entre a Região e as IPSS´s que deixam de receber uma verba para assegurar o pagamento de vencimentos e o seu financiamento e passam a receber um “valor padrão” por cada utente, que com as alterações se designará cliente.
O novo modelo, segundo o Governo Regional dos Açores, passa a ter por base os serviços prestados em número de vagas que o executivo contratualiza com cada uma das IPSS. Assim, IPSS´s com as mesmas características, com a mesma prestação de serviço e o “mesmo rácio trabalhador/utente” passam a receber o mesmo valor padrão, independentemente da ilha onde prestam o serviço ou da qualidade com que o fazem.
O executivo regional entende que o novo modelo prevê um “ajuste” máximo de 10% nos valores que as IPSS recebiam até aqui e “apenas” 25% das instituições passarão a receber menos dinheiro.
“Não sei que contas são estas nem quem será afetado concretamente” diz o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada para quem “qualquer diminuição será sempre injusta e não estará de acordo com os pressupostos dos acordos já definidos”.
José Francisco Silva acrescenta, ainda, que “este valor padrão tem como base uma determinada estrutura de custos mas não respeita a estrutura de custos existente nas instituições”.
Para António Marcos, esta “constitui uma das muitas fragilidades do sistema que não prevê a existência de factores de discriminação positiva como por exemplo a qualidade”. E, exemplifica com o caso da Misericórdia de Angra que investiu na contratação de mais enfermeiros do que os inicialmente previstos para “garantir melhores cuidados”.
Além disso, refere, que a maior responsabilização das famílias, “que compreendemos, vai recair sobre as instituições”.
“No momento que se vive as famílias também não podem e o ónus recai sobre nós e não devemos ser nós a financiar o sistema de apoio social”, lembra o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Angra, que até é uma das IPSS´s que tem fontes de receitas próprias mas que já não consegue fazer face a outros desafios porque vai ter de canalizar meios financeiros para assegurar o funcionamento das estruturas e valências que estão no terreno.
Atualmente, a Misericórdia de Angra gere um orçamento anual da ordem dos 12 milhões de euros, Tem mais de 25 técnicos especializados a tempo inteiro, presta apoio a 180 utentes que residem no lar, mais 50 em regime domiciliário para além do serviço de refeições diárias a carenciados bem como o banco de vestuário aberto a toda a comunidade.
Apesar de ter fontes próprias de receita, como por exemplo a verba que resulta das rendas sociais do recém construído bairro residencial de 32 casas em São Carlos, “isso o Governo não vê”, o Provedor estima que no próximo ano as receitas provenientes dos acordos de cooperação possam ser reduzidos em cerca de 140 mil euros.
“Se é difícil para nós imagino o que será para todas as instituições que só dependem dos acordos de cooperação com o Governo e não têm outras fontes de receita. Provavelmente irão encerrar”, conclui.
No total a região tem mais de 210 IPSS´S a trabalhar no terreno e “esse é que é o grande problema” adianta, ainda António Marcos.
“As instituições são muitas e os recursos são escassos”. E, acrescenta, “há uma duplicação de serviços sem que haja uma otimização dos existentes”, como é o caso da cozinha da Misericórdia de Angra que produz menos refeições do que as que a sua capacidade permitiria “mas, ainda assim, estão a abrir mais”.
Também o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada coloca o acento tónico nesta questão.
“Houve algum facilitismo na criação de muitas instituições e hoje há duplicação de serviços que não fazem sentido”, adianta José Francisco Silva.
A Misericórdia de Ponta Delgada tem um orçamento da ordem dos 3 milhões de euros, tem 250 colaboradores, 150 dos quais no quadro, apoia 75 idosos institucionalizados no lar e presta apoio domiciliário a 40 utentes, “quase todos nas zonas mais distantes onde os outros não vão”. Tem ainda a unidade de cuidados continuados com assistência permanente a 64 acamados.
José Francisco Silva reconhece, tal como o Provedor da Misericórdia de Angra, que a família deve ser co-responsabilizada no financiamento do apoio social ao idoso mas adianta que “na maioria dos casos isso vai significar mais responsabilidade para a instituição” e fala em números concretos.
Em Ponta Delgada, “o custo mensal de um idoso no lar ronda os 1200 euros e nos cuidados continuados cerca de 2000. A pensão média dos idosos varia entre os 250 e os 300 euros, dos quais 80% revertem a favor da instituição. Se o governo reduz o apoio tendo em conta o tal valor padrão e a família passa a ter que contribuir e não tem dinheiro, é sobre a instituição que vai recair o financiamento do apoio social”, conclui.
O Código da Ação Social existe desde 2012, mas o novo modelo de funcionamento das IPSS nunca foi operacionalizado. Vai poder sê-lo a partir de agora.