Pelo padre Hélder Miranda Alexandre
Desde o dia 17 de Dezembro até ao dia que antecede a véspera de Natal, antes e depois da recitação do Magnificat na oração de Vésperas (ou no versículo do Aleluia da Eucaristia), são cantadas sete antífonas. Todas começam por uma invocação a Jesus, que, no entanto, nunca é chamado pelo nome, e todas incluem o apelo «Vinde».
Estas antífonas, que remontam às cercanias do ano 600, são inspiradas pelos textos do Antigo Testamento que anunciam o Messias. Desde a primeira à última, Jesus é invocado como Sabedoria, Senhor, Raiz, Chave, Estrela, Rei e Emanuel (Sapientia, Adonai, Radix, Clavis, Oriens, Rex, Emmanuel). Lendo as iniciais desde a última até à primeira forma-se o acróstico «Ero Cras», que poderá traduzir-se por «Amanhã Eu estarei». É a proclamação do Senhor que vem. A última antífona, que completa o acróstico é cantada a 23 de Dezembro, e no dia seguinte, com a oração das primeiras Vésperas, começa a solenidade do Natal.
Ainda que as antífonas se refiram sobretudo a textos vetero-testamentários, há algumas expressões nas últimas três que apenas se compreendem à luz do Novo Testamento. A 21 de Dezembro encontramos uma alusão ao Cântico de Zacarias (o «Benedictus»), que se lê em Lc 1,78-79: «que das alturas nos visita como sol nascente para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte». No dia seguinte inclui-se uma referência ao segundo capítulo da Carta de São Paulo aos Efésios («Ele que, dos dois povos, faz um só», v. 14). A última antífona termina com a expressão «Senhor nosso Deus», invocação exclusivamente cristã, dado que só os discípulos de Jesus reconhecem o Emanuel como Deus.
A história da Liturgia apresenta-nos pérolas que, não raramente, passam despercebidas e não explicadas devidamente. O seu inimigo é a pressa e pobreza de como se fazem as celebrações, marteladas pela ditadura dos ponteiros do relógio e pela preparação incipiente. Esta é uma destas. No entanto, também somos surpreendidos pela sua vitalidade milenar, qual catedral que renasce das cinzas. A catedral Notre Dame de Paris (iniciada em 1163) reabriu no dia 7 de Dezembro as suas portas com uma majestosa e mediática celebração e com o badalar dos sinos da igreja restaurada, que sofreu um grave incêndio em abril de 2019. Depois do toque dos sinos, o arcebispo de Paris, Laurent Ulrich iniciou a cerimónia com uma procissão acompanhada por outros bispos franceses, o arcebispo de Nova York, cardeal Timothy Dolan e o patriarca do Líbano, o cardeal Bechara Rai. Em frente às portas da catedral, dom Ulrich recitou três invocações e bateu com o seu báculo episcopal na porta principal da catedral parisiense. A Catedral acordou das cinzas. As suas capelas restauradas, vitrais e estátuas pareciam feitas de novo, e tudo celebrado numa liturgia especialmente bela. O gigantesco órgão do seculo XIX deu o mote. Com cinco teclados e 8 mil tubos em 115 conjuntos, depois de ter resistido à Revolução Francesa sem danos, o órgão passou pelo incêndio de 2019 sem ser afetado pelo calor ou pela água, mas foi atingido pelo acúmulo de monóxido de chumbo, uma espécie de poeira amarela, nos canos. Para o restauro, cada tubo, que pode chegar a 10 metros, foi retirado e reconstruído. “Acordou” ao canto do arcebispo. França surpreendeu mais uma vez e quis dizer algo novo, apesar das suas lacerações centenárias, ou das suas mais recentes dificuldades políticas e económicas.
Às portas do novo jubileu, em ambiente de Advento e Natal, temos razões mais do que suficientes para vivermos a tão desejada esperança. Um cristão não se deixa abater pelos sinais do sol ou da lua. Preparamos e vivemos n`Aquele que vem, o Senhor de cada coração. Então poderemos cantar a plenos pulmões o hino do grande jubileu:
Chama viva da minha esperança
Este canto suba para Ti
Seio eterno de infinita vida
No caminho eu confio em Ti