D. Januário Torgal Ferreira, ex Bispo das Forças Armadas, vai presidir a partir desta quarta feira às Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Santa Maria. Em entrevista ao Portal da Diocese fala da abstenção como reação aos partidos, e acredita que o Papa Francisco vai abalar as estruturas mais conservadoras.
Portal Da Diocese (PD)- É a primeira vez que vem a Santa Maria. O que é que espera destas festas, neste lugar?
D. Januário Torgal Ferreira- Desde que fui nomeado Bispo das Forças Armadas, em 89, vim aos Açores uma quantidade de vezes, pelo menos seis. Foi uma descoberta magnífica dos Açores que depois acabei por aprofundar no contacto com algumas comunidades emigrantes açorianas, porque tive, durante algum tempo, a coordenação do pelouro das migrações, sobretudo nos Estados Unidos e Canadá. Tudo isto me dá uma visão dos problemas humanos, que as pessoas viviam, e, sobretudo, dá-me uma forte convicção para afirmar que Portugal deveria honrar-se dos seus emigrantes e, infelizmente, raramente o faz.
Portugal continua, ainda, a ter vergonha dos filhos que dele fugiram por não terem condições de vida e por não terem recebido o carinho que um pai dá a um filho.
PD- Os Açores são terra de emigrantes. Sobretudo para o continente Americano e, Santa Maria foi, durante muito tempo, um centro cosmopolita. Hoje padece justamente dos males modernos: os filhos que saem para estudar e não voltam porque não têm condições de vida. Que expetativas tem do ponto de vista pastoral?
D. Januário Torgal Ferreira– Só podem ser as melhores porque os açorianos são pessoas de fé. Podem ser tímidos, introvertidos, mas são pessoas espontâneas quando ganham confiança e por isso vou-me sentir muito bem. Aliás, são pessoas tradicionalmente cultas que muito têm dado ao país. O que eu espero, portanto, é gente, são as ovelhas que devem cheirar a pastor, com as quais me quero encontrar. Estou muito interessado em ouvir as pessoas, até porque acho que nós ainda não conseguimos ir ao encontro delas e por isso o momento do encontro vai ser muito positivo. Um encontro sem pompas nem protocolo e muito menos ritualismos excessivos e sem significado.
PD- Mas esse é o problema de algumas manifestações açorianas… o ritual porque é tradição. Aqui e em todos os fenómenos de religiosidade popular…
D. Januário Torgal Ferreira- Os padres açorianos têm uma grande sensibilidade para esse fenómeno e lidam bem com ele. Aliás, acho curioso porque venho para falar mas, verdadeiramente, o que quero é ouvir as pessoas.
PD- Os Bispos Europeus manifestaram a sua preocupação perante a abstenção e face ao crescimento da votação nos partidos eurocéticos, muitos deles nacionalistas e xenófobos.
Portugal teve uma abstenção enorme e, nos Açores, ainda foi maior. Como é que vê esta demissão das pessoas?
D. Januário Torgal Ferreira- Preocupa-me ainda mais porque, nos últimos anos, não vi dos políticos qualquer iniciativa para inverter essa tendência, em todos os quadrantes da vida político partidária portuguesa. Inclusivé nos atuais governantes, que eu até pensava que iriam ser muito culpabilizados mas não.
Nós andamos esmifrados a pagar a divida. Temos uma atitude honrada mas é preciso que ela tenha consequência: cada português que se sacrificou tinha que ser mais exigente. Mas esta enorme abstenção é a meu ver, a resposta do povo. Perante a inépcia de quem nos dirige, o povo utilizou o voto como arma de protesto, alheando-se e avaliando o todo pela parte.
PD- Mas isso não lhe tira o sono?
D. Januário Torgal Ferreira- Concerteza, mas também pensava que o povo português tinha abdicado da alegria e da algazarra do 25 de abril. O incómodo e a desilusão de tudo isto é que as pessoas começaram a achar que ficar em casa era melhor do que expressar uma opinião através do voto. E isso é que é verdadeiramente preocupante. De resto, quem não vota está a expressar uma opinião.
PD- Como é que se pode inverter essa situação?
D. Januário Torgal Ferreira- Só com novas pessoas, novas ideias e novas políticas. De outro modo o caminho será penoso e desinteressante. E talvez nem demore muito. Mas é preciso coragem e humildade. Por exemplo se eu percebesse que dentro da igreja o meu serviço era uma fonte de intranquilidade, que não conseguia ser mobilizador, eu acho que devia dizer ao Papa que não fujo, nem sou cobarde mas já percebi que eu desmobilizo. O Espirito Santo passa por todos, mas as falhas são minhas. Transportando isto para a política e sem me deter em grande análises, é bom dizer que o PS se calhar precisa de se agitar. Mas, lá está, para isso é precisa humildade. Se nós estamos interessados no bem comum não nos devemos preocupar com o nosso ego e a satisfação desse ego.
PD- Essa humildade é a grande lufada de ar fresco trazida pelo Papa Francisco?
D. Januário Torgal Ferreira- De tão simples e verdadeira que é tornou-se uma fonte de intranquilidade para alguns. Isto é, não é apenas responder a atitudes concretas cuja resposta era se calhar a mesma…
PD- Como a que aconteceu hoje, já dentro do avião, quando o Papa abriu a porta a um “repensar” do celibato obrigatório para os sacerdotes, ressalvando que não se trata de um dogma de fé…
D. Januário Torgal Ferreira- Fui testemunha de uma série de colegas quando eles pediram a dispensa dos votos. O casamento não é remédio santo para desvarios mas é um sacramento de santidade que corresponde a uma vocação. E, a questão aqui, pode ter um pendor apenas afetivo. Aliás é a afetividade que dita essa minha primeira vocação: conhecer, entender, ajudar pessoas com base numa comunhão de afetos.
Para mim a grande estrada que conduz a Jerusalém é a abertura aos pobres. Se a igreja se empenhasse , se fosse esse caminho – a estrada de Damasco- estávamos bem porque a estrada da Igreja é a dos pobres. Nós todos dizemos que estamos atentos, mas não tinha toda a certeza. Ainda no domingo o Papa falou das famílias, e de todos aqueles que acolhem.
PD- O papa Francisco coloca uma grande expetativa sobre a família, com a abertura deste caminho sinodal…
D. Januário Torgal Ferreira- O grande símbolo deste papa é a proximidade com valores humanistas e desprovidos de galões. Ora é isto que as sociedades querem e não outra coisa. Até porque senão não somos nada: apregoamos a caridade e não somos capazes de dar nada a alguém. Essa grande chamada começou com os símbolos, por exemplo ter optado por viver numa casa mais pequena onde se podem encontrar sacerdotes, leigos e outros que por lá passem. Esta simplicidade é genuína e não radica num embuste. E isso irrita várias epidermes.
PD- Já aqui disse que a indiferença é uma arma poderosa e sobretudo reveladora do desinteresse das pessoas.
D. Januário Torgal Ferreira- A indiferença é, politicamente falando, a única arma concreta de reação das pessoas.
E este é um male também da igreja. Porque tal como os eleitores não votam, os cristão não vão à missa, não participam. A indiferença é a maior inimiga da Igreja.
PD- Como é que se dá a volta a volta a isto?
D. Januário Torgal Ferreira- Vamos criar um novo livro de estilo. Não pode ser a Cáritas a fazer tudo. Temos de criar uma frente organizada…rompendo, rompendo e rompendo… passa por todos, pela nossa capacidade e por um novo estilo que temos de adotar. O Papa nesse sentido, atirou uma pedrada no charco e por isso há quem discorde tanto.