Por António Pedro Costa
É interessante como a nossa perspetiva sobre o mês de novembro pode mudar ao longo da vida. Para muitas crianças, como foi o meu caso, o mês das almas parecia-me na altura como sombrio e misterioso, repleto de elementos que assustavam: as ideias de julgamento, as orações pelos defuntos e o silêncio quase solene que marcava as celebrações e tradições.
Mas, com passar do tempo, e com uma compreensão mais profunda do significado espiritual por trás do purgatório, esta visão veio a mudar. Ao entendermos melhor o sentido de intercessão, da misericórdia e da esperança que essa devoção representa, começamos a ver que este não é um lugar de castigo e sofrimento, mas uma expressão do amor de Deus, que deseja a plena reconciliação de cada um.
O que antes podia assustar, hoje inspira-nos: compreender que estamos todos unidos pela comunhão dos santos, o que nos dá a esperança de que, embora difícil, partir deste mundo não é o fim, mas uma nova etapa, onde o amor de Deus continua a agir. Cada prece oferecida é como um gesto de misericórdia que ajuda as almas a alcançarem a luz.
Esta mudança de perspetiva nos dias de hoje é um verdadeiro amadurecimento místico. Atualmente, o mês de novembro pode ser um tempo especial para recordar que, mais do que um mês sombrio, ele é um mês de esperança, onde temos a oportunidade de praticar a solidariedade espiritual e de nos lembrar da promessa que nos aguarda.
No entanto, esta temática encontra pouca relevância na sociedade atual caraterizada pelo laicismo, relativismo e mesmo pelo ateísmo. Nestes casos valorizam-se mais a diversidade de perspetivas morais e a autonomia individual em questões espirituais. Assim, o conceito tradicional do purgatório acaba por perder espaço entre os que têm visões mais materialistas ou seculares.
Por outro lado, havia um costume antigo de rezar os responsos pelas almas, mantido por séculos, especialmente em áreas rurais e comunidades com forte ligação religiosa e familiar, mas que com o passar do tempo, fatores como a diminuição das práticas religiosas têm contribuído para que esta e outras tradições religiosas se tornem obsoletas. As mudanças culturais também fizeram com que algumas pessoas interpretassem a fé de forma mais individual, reduzindo as práticas comunitárias que antigamente mantinham viva esta tradição e que ainda algumas paróquias a mantêm.
Para quem acredita, encontra na ideia de eternidade um alívio ou uma motivação, constituindo uma continuidade da existência numa realidade espiritual para além do que é visível. Esta crença dá conforto diante da transitoriedade da vida e inspira-nos a uma reflexão sobre os valores e os propósitos de estarmos aqui.
Neste caso, o purgatório pode ser compreendido num sentido metafórico, como um estado de autotransformação, pelo que refletir sobre esta temática é mergulhar em temas como esperança e purificação, que liga os fiéis da terra àqueles que já deixaram este mundo, mas ainda estão em processo de purificação.
Tudo isto nos inspira a viver uma fé mais consciente e recorda-nos que, embora a vida terrena seja breve, as escolhas que aqui fazemos têm consequências eternas. Por isso, a devoção às almas leva-nos a oferecer orações e sacrifícios por elas, reconhecendo que também precisamos da sua intercessão.