Cónego António Manuel Saldanha afirma que “a fama de santidade começa sempre pela voz do povo”

Secretário do Studium do Dicastério das Causas dos Santos explica em entrevista ao Sítio e programa de rádio Igreja Açores como se desenrola um processo de beatificação nas suas diferentes fases

Foto: Vatican News

Nem todos os processos terminam como se deseja e da forma mais célere possível,  mas a forma como são instruídos os processos de beatificação obedece a formalismos concretos que podem ditar a celeridade com que são resolvidos.

A diocese de Angra acaba de concluir o seu primeiro processo para submeter ao escrutínio do Dicastério das Causas dos Santos e do Papa, que tem sempre a palavra final, a possibilidade da jovem terceirense Maria Vieira, de 13 anos quando foi brutalmente agredida para defender a sua virgindade, depois de sucessivas tentativas por parte de um malfeitor, ser declarada venerável e beata e, depois de um milagre comprovado, santa.

“A fama de santidade começa pela voz do povo que através da fé vê numa pessoa qualidades humanas e espirituais superiores à média. A isso chama-se santidade: são pessoas boas, com uma sensibilidade humana e espiritual muito acima do habitual, o que parece ser o caso de Maria Vieira” afirmou ao Igreja Açores o cónego da Basílica Papal de Santa Maria Maior, Monsenhor António Manuel Saldanha e Albuquerque.

O sacerdote açoriano, que chegou a ser pároco de São Sebastião, na ilha Terceira, local de nascimento de Maria Vieira,  é secretário do Studium do Dicastério das Causas dos Santos para onde o processo seguirá depois da sua clausura na fase diocesana, na próxima sexta-feira.

“Depois da recolha de documentos escritos, da auscultação de testemunhas, de quantos conheceram de perto o candidato à declaração de santidade, constitui-se um tribunal diocesano para escutar e recolher toda a documentação escrita pelo próprio ou de alguém por ele e é assim que nasce o processo”, avançou em entrevista ao programa de Rádio igreja Açores que pode ser ouvido no próximo domingo, depois das 10h00, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.

“Chegado a Roma terá de ser nomeado um postulador para a fase romana e entrega-se no Dicastério todo o material recolhido, pedindo-se a abertura e a avaliação jurídica do trabalho desenvolvido na Diocese”, referiu o sacerdote sublinhando que o primeiro julgamento  da chamada fase romana será meramente formal.

“Depois de feito este juízo apresenta-se ao Congresso Ordinário, que é constituído pelo cardeal do Dicastério, Secretário e Sub-secretário, pelo Promotor da Fé, pelo Relator-geral e pelo Oficial, que apresentarão o voto jurídico que testemunha que tudo está bem, seguindo-se a nomeação de um relator que, em colaboração com outro colaborador externo, irão elaborar a Positio, uma espécie de biografia sustentada nos documentos da fase diocesana, que sobreleva as virtudes heróicas da candidata à beatificação. A última palavra será sempre a do Papa”, refere.

Quando são declaradas as virtudes heróicas o candidato à declaração de santidade passará a ser declarado Venerável, e terá de aguardar a existência de um milagre que sustente a sua beatificação, exceto em duas situações : o `martírio por ódio de fé´ ou o `martírio da pureza´, como parece ser o caso de Maria Vieira. Nestes dois casos os veneráveis podem ser automaticamente beatos.

Foi o que aconteceu com o padroeiro da diocese João Baptista Machado, que é um dos sete mártires do Japão, juntamente com Ambrósio Fernandes (Porto), Francisco Pacheco (Ponte de Lima), Diogo de Carvalho (Coimbra), Miguel de Carvalho (Braga), Vicente de Carvalho e Domingos Jorge que aguardam a canonização.

João Baptista Machado nasceu nos Açores na ilha Terceira 1582 e estudou no colégio da Companhia de Jesus de Coimbra, a onde chegou no ano de 1597, com apenas 15anos de idade. Depois partiu para a Índia em 1601, com outros 15 companheiros jesuítas.

No Oriente continuou a frequentar os estudos dos colégios da Companhia de Jesus, tendo estudado Filosofia em Goa e Teologia em Macau, sendo ordenado sacerdote em Goa. Partiu como missionário para o Japão em 1609, já quando ordens do imperador japonês determinavam que os missionários cristãos deveriam abandonar o território nipónico.

Depois de estudar a língua japonesa no Colégio Jesuíta de Arima, iniciou as suas tarefas de missionação, acabando por se fixar na cidade de Gotō, no sul do arquipélago japonês.

Resolveu permanecer no Japão após ter recebido em 1614 ordem imperial para abandonar as ilhas. Passou, então, a missionar na clandestinidade, trabalhando, disfarçado, para acudir às necessidades espirituais das comunidades cristãs japonesas existentes no sul do arquipélago. Em Abril de 1617 foi descoberto e preso quando confessava um grupo de cristãos.

Foi levado para a cidade de Omura, nos arredores de Nagasaki, e encarcerado na prisão de Cori, sendo executado por decapitação a 27 de Maio de 1617, no monte Obituri, juntamente com cerca de 100 cristãos de várias congregações.

Por coincidência, aquele dia era o Domingo da Santíssima Trindade, nos seus Açores natais o dia do Segundo Bodo, na ilha Terceira. Com ele foi executado o franciscano português frei Pedro da Assunção. Rezam as crónicas que aceitou com serenidade a morte, considerando-a um martírio. Tinha então 35 anos de idade.

O Papa Pio IX beatificou-o, a 7 de Maio de 1867, juntamente com outros 205 mártires vítimas da mesma perseguição, num grupo que ficou conhecido como os Beatos Mártires do Japão.

O processo nunca foi conduzido pela igreja açoriana embora tenha sido nomeada uma comissão de acompanhamento do processo promovido pela Companhia de Jesus. Aquando da passagem do Papa São João Paulo II pelos Açores foi mesmo entregue um pedido para a sua canonização.

Por diligências do bispo D. João Maria Pereira de Amaral e Pimentel realizou-se a 30 de Abril de 1876, na igreja do Colégio dos Jesuítas de Angra, a primeira festividade pontifical em honra do glorioso mártir cristão beato João Baptista Machado, cuja imagem aquele bispo ofertara e nesse dia benzera, proclamando-o patrono da cidade, da ilha e da Diocese.

Em 1962 foi declarado pelo papa João XXIII protetor especial da Diocese de Angra, sendo 22 de Maio a sua data de veneração.

Além de ter sido declarado padroeiro principal da Diocese de Angra, a sua imagem está exposta em várias igrejas da diocese e na diáspora açoriana, em esculturas e vitrais.

Dá nome a uma rua na cidade de Angra e a uma outra na freguesia da Ribeirinha. Empresta, ainda, o seu nome a um Jardim-de-infância, a uma Escola do 1º Ciclo, um Centro Residencial Juvenil e uma Cooperativa de Consumo. Tem uma  estátua numa praça pública da cidade de Angra.

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