Esta sexta-feira decorreu na Igreja de São Sebastião a clausura da fase diocesana deste processo iniciado em fevereiro de 2018.
O processo de beatificação de Maria Vieira, a jovem terceirense que morreu a defender a honra tendo perdoado ao agressor na hora da morte, terminou na sua fase diocesana, tendo a cerimónia de Clausura decorrido esta tarde na Igreja de São Sebastião, paróquia de onde era natural, com o bispo de Angra a sublinhar que a relevância deste processo radica na oferta de uma lógica à imagem de Jesus: “onde deveria haver ódio há amor; onde deveria haver vingança há misericórdia”.
“Haverá mensagem mais atual? Os santos não perdem a sua humilde confiança em Deus, são serenos e felizes porque não desviam o olhar da sua pátria definitiva” disse D. Armando Esteves Domingues.
“Em Maria Vieira, é aquele que se identifica com Cristo na vida pessoal, familiar e comunitário, que mergulha no mistério pascal de Cristo, na Sua Paixão, Morte e Ressurreição e que, nas dificuldades, reconhece, aceita e ama a cruz descobrindo amor onde pareceria dever estar o ódio, perdão onde a lógica conduziria à vingança” afirmou o prelado.
“Não estamos aqui para declarar beata ou santa (Maria Vieira), mas apenas para declarar que se completou uma primeira fase do longo itinerário que conduz à beatificação, aquela para a qual a nossa diocese se confia ao discernimento autorizado da Santa Sé, do Papa, para que ele, avaliando o que recolhemos, decida se ela deve ser inscrita no Rol dos Beatos e Santos da Igreja” afirmou o bispo de Angra.
“Este momento e dia serve para aprofundar o que significa este chamamento à santidade que é feito a todos os cristãos já desde o batismo” disse D. Armando Esteves Domingues, deixando um interpelação sobre “ Quem é o Santo?”
“Em dia de todos os santos, torna-se ainda mais significativa esta cerimónia de encerramento do processo diocesano para a beatificação da Serva de Deus Maria Vieira. Uma adolescente de quem, logo após a sua morte, começou a correr a fama de santidade. É sempre assim que começam os processos. Compete à Igreja averiguar, nomeando pessoas idóneas” afirmou D. Armando Esteves Domingues.
Antigamente somente o Papa podia promover uma causa de canonização, mas atualmente, os bispos têm autoridade para isso. Em qualquer diocese do mundo pode iniciar-se um processo de beatificação. Para cada causa é escolhido pelo bispo um postulador que tem a tarefa de investigar detalhadamente a vida do candidato para conhecer os porquês da sua fama de santidade, explicou ainda o responsável pela diocese que entrega a Roma a sua primeira causa.
“Quando a causa é iniciada, o candidato recebe o título de Servo de Deus. O primeiro passo do processo é o das virtudes ou martírio. Este é um passo demorado porque é preciso investigar minuciosamente a vida da Serva de Deus. Tratando-se de um mártir, devem ser estudadas as circunstâncias que envolveram a sua morte para comprovar se houve realmente o martírio” prosseguiu D. Armando Esteves Domingues. Havendo prova desse facto, haverá um decreto que declarará o Venerável, Beato.
D. Armando Esteves Domingues recordou a história deste processo, lembrando os vários pedidos feitos pela paróquia de São sebastião e agradeceu a todos os envolvidos.
“Quero exprimir os meus sinceros agradecimentos à Comissão Histórica, ao P. Manuel Carlos, postulador, ao P. Vasco Parreira, delegado episcopal, P. Hélder Miranda, Promotor de Justiça, o P. Igor Oliveira e o P. Jacob Vasconcelos, notários e todos os que assumiram as tarefas necessárias para recolher e registar documentação e testemunhos sobre a vida, as virtudes, a fama de santidade em particular e as graças em geral da Serva de Deus”, sem esquecer os “leigos, os Conselhos Pastoral e Económico de São sebastião e os cristãos anónimos que sempre alimentaram este sentir comum da santidade de Maria Vieira e nunca desistiram de prosseguir este objetivo, também angariando fundos para a Causa”.
Agora, o processo segue para Roma para o Dicastério das causas dos Santos onde será avaliado, em várias fases antes de haver um pronunciamento final sobre a “avaliação da figura espiritual da Serva de Deus”, que caberá ao Papa.
A sessão contou para além dos aspetos formais, com o juramento de todos os intervenientes- autoridade eclesiástica (bispo), postulador, promotor de justiça, delegado diocesano, e notários- e uma conferência de Ricardo Madruga da Costa, membro da Comissão Histórica que explicou a compilação dos dados do processo, sobretudo no que se referiu aos documentos que permitem a reconstituição dos factos.
“Não obstante o carácter informativo da recolha feita por Neves Leal, em particular os testemunhos e o interesse crescente do ponto de vista religioso, a verdade é que a peça chave de todo é , sem dúvida, o processo judicial. Excecional e única a que pudemos aceder, onde declarações e testemunhas sobre os factos e à descrição detalhada da autópsia que permitiu inferir uma série de informações sobre o crime violento”, afirmou o investigador sobre esta tentativa de violação ocorrida a 5 de junho de 1940, tendo a jovem morrido pouco depois. O próprio autor, José Quinteiro, confessou a violência praticada e nunca mostrou qualquer sentimento de arrependimento.
Já o postulador, cónego Manuel Carlos Alves, agradeceu a todos os intervenientes e afirmou ser este um dia de grande alegria para todos, sobretudo para aqueles que acreditam na intercessão de Maria Vieira nas suas vidas.
“Fizemos um trabalho honesto nesta recolha documental, procurando a verdade histórica sobre o martírio de Maria Vieira da Silva, tornando possível ao Dicastério das Causas dos Santos um juízo definitivo que possa dar á Igreja dos Açores um intercessor junto do povo de Deus e que seja um exemplo de vida a seguir nesta ilha e por todos os cristãos açorianos”.
“Penso que cumprimos o nosso dever e por isso estou grato e satisfeito. Reconheço que fizemos história porque este é o primeiro processo a ser concluído nos Açores” , salientou o sacerdote que atualmente é reitor do santuário do Senhora Santo Cristo.
“Amanhã começa a segunda fase deste processo com a nomeação do postulador em Roma que defenda bem e sem delações, junto do Dicastério, este processo”, adiantou.
“Afigura-se-nos oportuna esta causa pois poderá oferecer à juventude açoriana a virtude da castidade, hoje muito desvalorizada e em que a vida humana não é respeitada nem apreciada como deveria ser”, concluiu.
“Estamos todos de parabéns; agora permaneçamos unidos em oração, pedindo a Deus que de Roma nos venham boas notícias”, concluíu o postulador.
Já o pároco, padre Luís Silva, deixou um agradecimento “a todos os que se envolveram de forma generosa nesta causa” que envolve toda a comunidade, que em conjunto, celebra também esta fé.
Igualmente contente estava Francisco Costa, sacristão da Igreja de São Sebastião há setenta anos. Não conheceu pessoalmente Maria Vieira da Silva mas diz que sempre ouviu falar desta jovem.
“Não me lembro dela mas conhecia muito bem o homem que lhe fez mal e a família daquela gente toda e por isso estou muito contente deste processo chegar ao fim, pelo menos no que à gente diz respeito”.
Depois da Clausura do Processo, que segue agora para Roma, foi rezada a oração de vésperas solenes neste dia de Todos-os-Santos em que a diocese inicia um fim-de-semana de festa pelos 490 anos.