Concluída a fase diocesana do primeiro processo da diocese de Angra em ordem à beatificação de uma açoriana

Sessão solene de clausura da `fase diocesana´ do processo de beatificação/canonização de Maria Vieira decorre no dia de Todos-os-Santos na Igreja de São Sebastião, em Angra, seguida de Oração de Vésperas

Foto: Paróquia de São Sebastião

A diocese encerra formalmente a fase diocesana do processo de beatificação/canonização da serva de Deus Maria Vieira no próximo dia 1 de novembro, pelas 16h00, na Igreja Matriz de São Sebastião, na ilha Terceira, com uma conferência do investigador Ricardo Madruga da Costa e o compromisso de todos os que trabalharam na recolha de testemunhos e na instrução deste processo.

Foi um trabalho árduo desenvolvido por várias pessoas que agora chega ao fim na diocese, afirma o cónego Hélder Miranda Alexandre, Promotor de Justiça do processo que agora estará pronto para seguir para Roma, para ser entregue no Dicastério das Causas dos Santos.

“No último ano encerrámos a recolha; elaborámos a publicação dos autos e formalizámos a não existência de culto” referiu ao Sítio Igreja Açores o sacerdote que desenvolveu um trabalho fundamental nesta reta final do processo na sua fase diocesana.

“Toda a recolha, depois de feita, foi  avaliada para ver se faltava algum documento e, sobretudo se poderíamos com toda a seriedade evidenciar que não há culto organizado ou chancelado pela Igreja” precisa o sacerdote que considera este um aspecto  “muito relevante”.

“Maria Vieira já estará no Céu, acredito eu, mas não foi proclamada a sua santidade pela Igreja e esta questão de não existência de culto é crucial para que o processo possa seguir, isto é, não podem existir elementos cultuais em torno desta consideração que o povo possa ter por esta mulher que, desde o seu martírio, entrou no coração das pessoas. Há uma devoção pessoal, privada, mas não existe qualquer culto público”, reforça o sacerdote, adiantando que qualquer devoção particular é do foro privado e “não tem a chancela da Igreja”.

“Este é apenas um passo inicial no processo” refere o cónego Hélder Miranda Alexandre.

“Quando o processo for para Roma há muito trabalho ainda a fazer”, refere salientando que os açorianos agora “têm de rezar muito” para que a Serva de Deus  Maria Vieira possa ser considerada venerável e depois beata.

“Temos de rezar e isso é o que podemos fazer agora” refere ao Sítio Igreja Açores o atual pároco, padre Luís Silva.

O entusiasmo pelo processo percorreu três episcopados, mas só em fevereiro de 2018,  D. João Lavrador deu indicações para o processo andar com a nomeação da Comissão Histórica e da Comissão Teológica, o que permitiu chegar agora a esta fase final.

“O trabalho desenvolvido foi muito sério e procurámos eliminar tudo aquilo que fosse subjetivo e pudesse adulterar a verdade dos factos”, conclui o Promotor de Justiça deste processo que seguirá para Roma, a onde será entregue no Dicastério das Causas dos Santos, a onde se seguirá uma série de avaliações formais e teológicas sobre os feitos relatados nos autos.

O bispo de Angra, D. João Lavrador, deu luz verde em fevereiro de 2018 ao início do Processo de Beatificação e Canonização  de Maria Vieira da Silva, que faleceu a 5 de junho de 1940.

O processo teve como promotor inicial o pároco de São Sebastião, Padre Domingos Graça, e como postulador da causa o Cónego Manuel Carlos Alves, atual Reitor do Santuário do Senhor santo Cristo.

“Tendo obtido já o parecer favorável da Conferência Episcopal Portuguesa e o nihil obstat da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos, iniciamos o processo”, adiantava  D. João Lavrador numa Nota Pastoral enviada a todos os diocesanos.

“Ponderadas as condições e a oportunidade para tal facto, decidimos aceder a tal pedido e começar com as diligências normativas para se prosseguir com o processo que conduzirá à decisão sobre a beatificação da jovem Maria Vieira da Silva” afirma o bispo de Angra que não esconde ter sido sensível “aos sinais” de santidade e de devoção relativamente a Maria Vieira da Silva.

“A fama de santidade vem desde o início. Ao local do seu martírio recorrem muitas pessoas em atitude de obter graças e, desde então até hoje, continua a sua fama de santidade e o desejo manifesto por inúmeras pessoas para que seja reconhecida como mártir pela Igreja e seja exposta como modelo de santidade para os jovens de hoje” referia o prelado diocesano na nota pastoral.

Depois de concluída a fase diocesana, o processo segue para Roma, para o Dicastério das Causas dos Santos, onde será estudada a documentação e poderão ser avaliadas e reconhecidas as suas virtudes heróicas, primeiro passo para a beatificação. Se o fundamento para o processo for o facto da jovem ser mártir poder-se-à dispensar a prova da existência de milagre, passando de Venerável, primeiro passo da fase romana para Beata.

Filha de Júlio de Sousa da Silva e de Isabel Vieira da Silva, casal católico que soube incutir nos seus filhos o amor a Deus e aos irmãos, desde cedo aprendeu a colocar toda a sua vida ao serviço da vontade divina. Aos seis anos já frequentava a catequese ministrada pelo pároco, na altura o Padre Joaquim Esteves. Fez a primeira comunhão e a comunhão solene, rezava todos os dias o terço em família e era cumpridora dos princípios e orientações da fé católica.

Do processo judicial que se seguiu à sua morte e que acabou por condenar o autor do crime, realça-se a sua morte como defesa da sua honra.

Foto: Igreja Açores

A sessão de clausura será dividida em dois tempos: um primeiro tempo com uma intervenção do investigador Ricardo Madruga da Costa, membro da Comissão Histórica que juntou os testemunhos e a documentação relativa à fama de Santidade de Maria Vieira e, depois, um momento mais formal com assinaturas dos vários intervenientes, bem como a intervenção do bispo de Angra, o primeiro a enviar para Roma um processo de beatificação instruído na diocese.

Para o postulador, cónego Manuel Carlos Alves, o trabalho desenvolvido “garante que todos os passos necessários à organização do processo foram dados com fidelidade”, sem “desânimos que pudessem atrasar o processo”.

“Este processo foi relativamente fácil porque a Maria Vieira morreu com pouca idade, o que fez com que não existissem documentos da sua  autoria que fosse  necessário estudar do ponto de vista da ortodoxia teológica” afirma o sacerdote que sublinha “alguma demora” na decisão de abertura do processo o que “dificultou a recolha de maior número de testemunhos”.

“Se o processo tivesse sido mais cedo teríamos tido outros testemunhos e como já passou muito tempo não foi possível recolher testemunhos de pessoas que privaram com ela e que teria sido importante ouvir”, afirma o sacerdote destacando, ainda, que face à devoção popular que existe “poderia ter havido uma maior disponibilidade da comunidade”.

Para o sacerdote, que atualmente é reitor do Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres, a proximidade deste caso com o de Santa Maria Goretti pode ter ajudado a difundir a fama de santidade mas os testemunhos da “sua intercessão em situações difíceis” são “muito objetivos e claros”. Acresce, por outro lado, o desejo das pessoas se deslocarem ao lugar do martírio que não fica “assim tão próximo das localidades mais urbanas e ainda assim são inúmeras as pessoas que lá vão”.

Questionado sobre o que mais o impressiona neste processo, o cónego Manuel Carlos Alves destaca os relatos de gratidão das pessoas, pela intercessão da jovem Maria Vieira.

“Todos somos chamados à santidade e ela é-nos dada pela graça do batismo e ao longo da vida vamos recebendo outras graças. Mas a estes que estão mais próximos de  Deus, é de facto importante que a Igreja possa reconhecer as suas qualidades acima da média”.

Foto: Paróquia de São Sebastião/Romeiras

A história de Maria Vieira era em tudo semelhante à de Maria Goretti uma menina Italiana de 12 anos que no final do século XIX perdeu a vida a defender a sua virgindade e que sete anos após a morte de Maria Vieira, foi beatificada pelo papa Pio XII, que haveria de a canonizar Santa Maria Gortetti em 1950.

Tal como a nova santa Italiana também Maria Vieira perdeu a vida a defender-se de um agressor que lhe queria roubar a pureza, falecendo a 5 de junho de 1940. O povo da Terceira, comovido com a história,  sobretudo com a capacidade de perdão por ela evidenciada, começou de forma individual a pedir a intercessão da jovem sempre que se via em aflições e a sua fama de santidade começou a espalhar-se pela voz popular.

Vários anos depois a própria paróquia de São Sebastião, de onde Maria Vieira era natural,  solicitou à diocese que pudesse estudar o caso para iniciar um processo de beatificação. Nos anos 90 do século XX houve pelo menos duas tentativas por parte da paróquia junto de D. Aurélio Granada Escudeiro, mas a abertura do inquérito não seguiu em frente.

Em 2007 foi entregue ao bispo D. António de Sousa Braga uma petição para a introdução da causa de beatificação/canonização da Serva de Deus Maria Vieira, da autoria do pároco da altura, o padre Jacinto Bento, suportada em decisão unânime pelo Conselho Pastoral Paroquial, de 10 de dezembro de 2007. Mas, novamente não houve qualquer decisão da autoridade eclesiástica. Só em 2018 é que, diante de novo pedido do pároco, se dá inicio ao processo que agora chega ao fim na sua fase diocesana, tendo ainda um longo caminho para percorrer até haver qualquer decisão.

A paróquia de São Sebastião chegou a ter um grupo de pessoas para angariar fundos para o inicio da causa, já que a falta de recursos financeiros e humanos foi invocada para não se avançar na primeira década do século XXI. Hoje volvidos 85 anos desde a morte de Maria Vieira, muitas das pessoas que se bateram pela abertura do processo vêem com muita satisfação o final da fase diocesana de um processo há muito desejado.

A sua beatificação daria mais força não só apenas aos devotos contemporâneos, principalmente aos da ilha Terceira e muitos dos seus emigrantes, mas também divulgaria o benefício deste testemunho vivo, real a nível mundial: um testemunho de amor, perdão, humildade e total respeito à Santíssima Trindade que tanto falta nos faz nos dias de hoje” afirma Délia Martinez.

“Se a Maria Vieira fosse beatificada seria um reconhecimento que a sua morte não teria sido em vão. Mas sim uma esperança e fé de um mundo melhor, onde o perdão e a paz perdurarão”, acrescenta Vanda Godinho.

“O lugar do martírio da Maria Vieira é objeto de romaria diária de pessoas que ali se deslocam (espontaneamente), movidas pela fé em sinal de gratidão, pelas graças obtidas e em preces nos momentos de aflição das suas vidas. Para aquelas pessoas a Maria Vieira é considerada Santa, fenómeno que extravasa a condição do chamado “católico praticante”, já que o lugar é visitado por pessoas de diferentes situações e credos” adianta Francisco Dias.

“São tantas as pessoas que se dirigem ao recinto do lugar do martírio da Serva de Deus, esperando, confiantemente, alívio, auxílio para a diversidade das suas agonias e dores” e as que “peregrinam, cheias de gratidão, pelas graças recebidas e expressa nas fotografias, nas velas, nas flores, nas mensagens escritas, nas dádivas económicas e em muito mais, consoante a sua criatividade”, prossegue o padre Domingos Graça.

“A Maria Vieira deixou-se tocar pelo chamamento de Deus” acrescenta Francisco Dias sublinhando que se for beatificada o seu exemplo poderá “ser inspirador” para o mundo de hoje.

Se Maria Vieira da Silva fosse beatificada, a sua vida e exemplo seriam formalmente reconhecidos como um modelo de virtude cristã. A sua beatificação reforçaria a ideia de que a coragem de testemunhar o Cristianismo, mesmo diante da violência que sofreu, é um valor eterno” , afirma por seu lado Manuel Jorge Melo, membro da referida comissão, que vai mais longe ao afirmar que o seu exemplo “poderia inspirar os cristão de hoje e reforçaria a ideia de que a santidade pode surgir em qualquer lugar, mesmo em pequenos lugares desconhecidos do mundo”.

“Isso mostraria que vidas simples, mesmo em lugares pouco conhecidos, podem ser modelos de virtude para o mundo inteiro, para todos os que procuram a paz e o perdão como prática no seu dia-a-dia”.

 

 

 

 

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