A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) divulgou hoje o regulamento para as compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais, que prevê a criação de duas comissões, falando num “dever de solidariedade” que deve resultar num “benefício significativo”.
“A compensação financeira que for atribuída não tem como objetivo pagar o que é impagável ou anular o que, lamentavelmente, não pode ser anulado a quem sofreu tão dura vivência. Deverá corresponder a um benefício significativo (não meramente simbólico) e proporcional à gravidade do dano. Corresponde a um dever de solidariedade para com as vítimas”, indica o organismo católico, em nota citada pela Agência Ecclesia.
A CEP e a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) aprovaram em abril, por unanimidade, a atribuição de compensações financeiras a vítimas de abusos sexuais, “sejam crianças ou adultos vulneráveis, ocorridos no contexto da Igreja Católica”.
Os bispos anunciaram então a criação de um fundo da Conferência Episcopal Portuguesa para este fim, “com o contributo solidário de todas as dioceses, assim como dos Institutos Religiosos e das Sociedades de Vida Apostólica”.
“Estas decisões inserem-se no caminho percorrido na Igreja em Portugal, no qual, em comunhão com o sofrimento das vítimas, deseja falar a uma só voz, reafirmando o total compromisso de tudo fazer para a sua reparação”, refere a nota de imprensa da CEP, que apresenta o novo regulamento.
A 1 de junho teve início o período de apresentação formal dos pedidos de compensação financeira, que decorre até 31 de dezembro de 2024, junto do Grupo VITA ou da Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis onde terão ocorrido os factos.
O processo implica a análise de duas comissões, cujas funções são apresentadas no novo regulamento.
“Uma primeira comissão procederá à análise dos pedidos e elaboração de um parecer (Comissão de Instrução) e, num momento imediatamente seguinte, uma segunda comissão determinará os montantes das compensações a atribuir (Comissão de Fixação de Compensação)”, indica o documento orientador.
Cada Comissão de Instrução será composta, “pelo menos, por duas pessoas”: um elemento designado pelo Grupo VITA e o outro elemento pelo coordenador da respetiva Comissão Diocesana ou da autoridade competente do Institutos Religioso ou Sociedade de Vida Apostólica.
O regulamento determina que a Comissão de Instrução deve contar “pelo menos, com um profissional da área de psicologia forense e, se necessário, da área da psiquiatria forense”, e, se possível, com um jurista.
A determinação da “procedência ou improcedência” do pedido de compensação financeira implica a “audição presencial” da pessoa que a solicita.
O n.º 15 do regulamento apresenta uma série de critérios para a atribuição de compensação, admitindo que em casos arquivados por prescrição ou falta de prova, nos tribunais civis ou canónicos se venha a produzir prova da prática do abuso, caso se verifique essa necessidade.
Em caso de negação da prática do abuso, por parte do alegado agressor, em casos prescritos, se o Dicastério para a Doutrina da Fé “permite suprir essa prescrição, a prova será aquela que for produzida em sede de processo penal canónico”. O regulamento apresenta ainda situações de possível compensação financeira, mesmo perante um anterior processo, com condenação, nos tribunais civis ou canónicos. As vítimas podem ainda apresentar o seu pedido, mesmo que o alegado agressor tenha falecido ou tenha sido impossível a sua “completa identificação”. Quando o pedido de compensação resultar de factos que estão a ser apreciados num processo em curso, a apreciação do pedido fica suspensa “até decisão final nesse processo”. “Para a fixação dos factos, levar-se-ão a cabo as diligências reputadas por necessárias, devendo sempre que possível proceder-se ao aproveitamento das já realizadas e que se encontrem documentadas, evitando-se a repetição de diligências desnecessárias”, determina o regulamento. A determinação dos montantes segue uma série de critérios enumerados no n.º 34 do documento, como o tipo, duração e frequência dos abusos; a idade da pessoa no momento do abuso ou o grau de vulnerabilidade da vítima, entre outros. O regulamento assinala a importância de levar em causa uma possível “reação negativa” ao relato da vítima e um eventual “encobrimento” dos casos. |
Após a análise da primeira comissão, o processo segue para a chamada “Comissão de Fixação da Compensação”, a quem compete a determinação dos montantes a atribuir.
“Esta Comissão será composta por sete pessoas, maioritariamente juristas, com experiência na área em causa, sendo duas indicadas pela Conferência Episcopal Portuguesa, duas pela Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, uma pela Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal e duas pelo Grupo VITA”, adianta a CEP.
Quanto à prestação de apoio médico, psicológico e/ou psicoterapêutico a vítimas de abusos sexuais, o organismo indica que a mesma “continuará a ser efetuada, nos termos em que tem vindo a ser feita, independentemente do pedido de compensação financeira”.
Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023.
Em abril de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo Vita para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.
Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.
(Com Ecclesia)