A história também se constrói

Maduro Dias, presidente da Comissão Diocesana Justiça e Paz

Por Francisco Maduro Dias

Segundo a etimologia mais aceite pelos linguistas, a palavra Jerusalém deriva de duas, em hebraico. Yeru, cuja origem não é clara, mas que costuma ser associada a palavras que significam fundação, morada, lugar de residência, e Shalayim que significa paz.

Jerusalém é – ou devia ser – a Morada da Paz! No entanto, somando o narrado na Bíblia com tudo o que sabemos por via da arqueologia e da história, terão sido aproximadamente 20 as vezes em que foi atacada, conquistada, destruída.

Como acontece em outros lugares e como já tive oportunidade de referir em tempos, há certos sítios do planeta que são objecto de permanentes atravessamentos, acabando por ser o que chamei um dia territórios tapete, pois toda a gente passa por cima, ligando pouco a quem lá vive.

A zona do médio oriente e aquela que liga a Europa à Ásia, entre o Mar Báltico e o Mar Negro, são duas dessas situações, e basta um olhar rápido para a História para reconhecer isso.

Isso também tem a ver com o facto de serem territórios planos, sem grandes obstáculos naturais, facilitando o aparecimento de agricultura e a pastorícia de grandes rebanhos. A Ucrânia é grande produtora de cereais, como se sabe, e Abraão chefiava um povo de grandes rebanhos, como também se sabe.

Em territórios assim, quase todos acabam por poder reclamar direitos de ancestralidade pois, em alguma altura dos tempos, antepassados seus moraram por ali.

Na Europa central e oriental essa evidência é enorme, com fronteiras e dominações a mudarem quase de 50 em 50 anos, com fronteiras que andam para cá e para lá centenas de quilómetros.

Deve ter sido tremendo, para os alemães que fugiram das suas casas perante o avanço do exército soviético, em 1944/45, não poderem regressar a elas porque, entretanto, essas terras tinham passado a ser polacas, do mesmo modo que muitos polacos viram terras suas passarem a ser da Ucrânia. Falei com alguns que as visitaram há poucos anos, e percebi que aceitaram a nova definição de fronteiras, estabelecida após 1945, em favor da paz.

A Morada da Paz e as terras aquém e além Jordão já foram dominadas e governadas por muitos, desde os antigos egípcios e sírios, judeus e filisteus. Por ali em volta, a primeira lei que vigorou foi a da vingança contínua, pura e dura. Com Salomão a mudança é radical. O olho por olho parece duro, mas significa que a busca de justiça e reparação, durante séculos a fio, é substituída por uma única “troca” e há que seguir em frente.

O perdão, proclamado mais tarde por Jesus, introduz, por sua vez, algo que me permite usar este título, pois importa saber-se o que queremos fazer dos anos adiante, e as religiões devem ser promotoras de paz.

Infelizmente, porém, de palavras bonitas está o inferno cheio, a ideia de paz tem muito de utopia e viver é, em muito, um combate permanente.

No entanto, é possível seguir esse caminho e essa procura, não renegando o que fomos, aceitando o que somos, e percebendo, sobretudo, que é o medo, de nós, dos outros, do desconhecido, o grande construtor de conflitos e guerras.

O futuro também se constrói!

 

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