Historiador recorda participação em reuniões clandestinas em São Pedro de Angra e salienta falta de entusiasmo da hierarquia católica açoriana face à mudança de regime, que foi sendo “acomodada”
O 25 de abril de 1974 apanhou José Guilherme Reis Leite em casa, depois da conclusão da licenciatura e de cumprido o Serviço Militar obrigatório, no Ultramar. Desde 72 que participava num dos círculos tidos dentro da Igreja como progressistas, por isso, era voz comum antever-se que a queda do regime estava para breve, pelo que “a notícia do 25 de abril foi recebida sem surpresa mas com muita alegria” enfatiza.
Havia muita gente açoriana empenhada e entusiasmada com a possibilidade da queda do regime de Salazar, reconhece Reis Leite.
“Depois da publicação da encíclica Populorum Progressio por Paulo VI, houve muita gente dentro da Igreja açoriana que começou a acreditar que era possível e embora não pensássemos todos da mesma maneira- uns queriam uma democracia representativa de estilo europeu, outros uma democracia popular outros ainda uma democracia marxista- a verdade é que havia uma espécie de entendimento tácito de que teríamos de nos ligar por aquilo que nos unia e não por aquilo que nos separava”, afirma numa entrevista que vai para o ar hoje depois do meio-dia no programa de rádio Igreja Açores, na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra.
“Só depois do 25 de abril é que cada um seguiu o seu rumo; até lá estávamos todos seduzidos pelo mesmo ideal e por ligávamos ao que nos unia e não ao que nos separava”, esclarece relatando as inúmeras reuniões clandestinas em que participou.
“Alguns católicos deixaram-se entusiasmar pelo marxismo e quando se deu o 25 de abril houve uma cisão entre católicos leigos e, sobretudo alguns padres, foram afastados”.
“Os párocos de São Pedro e de São Mateus, em Angra, eram entusiastas do Concílio e desses ventos que sopravam de Roma” afirma ainda salientando, que apesar dessas reuniões existirem e serem vigiadas “nunca fui particularmente incomodado”.
Na altura, em que ainda não havia a conferência episcopal e o Patriarcado de Lisboa tinha, de facto, um ascendente na Igreja portuguesa, muito do que se seguiu nos Açores era inspirado na conduta de Lisboa, que sempre se pautou pela “moderação” e respeito “pela liberdade religiosa”.
“Não se tem notícia de que a hierarquia dos Açores tenha sido muito cedo entusiasta das modificações profundas do Vaticano II; aos poucos as coisas foram chegando. Os progressistas eram tidos como `peixinhos vermelhos numa pia de água benta´” refere.
Nesta entrevista, o ex presidente da Assembleia Legislativa dos Açores e ex deputado à Assembleia da República pelo círculo eleitoral dos Açores, reconhece que havia pouco diálogo com a hierarquia- “D. Manuel Afonso Carvalho era um bispo austero e pouco dialogante, tal como os seus colaboradores”-; o 25 de abril foi, por isso, “chegando aos poucos aos Açores” mais por influência da “moderação do Patriarca” de Lisboa, que servia de modelo a todas as dioceses que faziam parte da sua província eclesiástica, como era (e é ainda hoje) o caso da diocese de Angra.
Questionado sobre a perda progressiva de influência da Igreja com o dealbar da Democracia, Reis Leite recorda que essa é uma realidade na Europa que não tem paralelo noutros continentes como África ou América, especialmente na América Latina.
O investigador recorda, contudo, que essa perda de influência não significa, necessariamente, que haja menos fé.
“É difícil dizermos isso porque a fé pode ser vivida de várias maneiras; há, de facto, menos prática, mas os católicos que o são podem ter-se afastado não pela doutrina mas por discordância com aspectos de disciplina”, reconhecendo que hoje os modelos sociais e políticos que vigoram na Europa afastaram-se da Doutrina Social da Igreja e radicalizaram-se mais.
A entrevista vai para o ar este domingo, depois do meio-dia, aqui, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.