“Vivemos um momento histórico na ilha: o Bom Jesus continua a falar-nos e hoje falou-nos através de vós”- Padre Marco Martinho
A Romaria do rancho dos Fenais da Ajuda à ilha do Pico terminou ontem ao fim da tarde, já noite dentro, no Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso, entre a majestosa montanha do Pico e um mar chão “como mel”, como se diz por estas paragens. O dia não poderia ter sido melhor para os 21 romeiros que se fizeram peregrinos até ao Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso, que desde 1862 recebe a visita de milhares de peregrinos que lhe confiam o seu coração. Estes tinham uma particularidade: foram os primeiros romeiros de São Miguel a fazer uma romaria na ilha do Pico de acordo com as regras dos ranchos quaresmais micaelenses.
“Não há palavras para dizer um obrigado a todos os irmãos do Pico. Sabíamos o que era o acolhimento de freguesia em freguesia mas numa ilha diferente ver pessoas a mandar-nos parar para nos dar de beber, a deixarem de trabalhar para rezar connosco no caminho ou tirar o boné à nossa passagem foi um momento único” dizia no final da romaria o mestre José Catunto, há oito anos à frente deste rancho da costa norte de São Miguel que sairá no próximo sábado na sua romaria quaresmal.
“Sinto uma profunda gratidão ao povo do Pico que não sendo a minha terra foi a ilha que me viu crescer como padre. Ouvirmos as jaculatórias ao Senhor Bom Jesus, misturadas com o nosso canto próprio das romarias de São Miguel é um misto de emoções. Não sei porque viemos, mas sei que foi um dom de Deus” confessa, por seu lado, o padre Francisco Rodrigues, pároco dos Fenais da Ajuda e assistente espiritual do rancho. Foi dele a ideia de fazer uma romaria ao Pico: dar a conhecer a tradição quaresmal e proporcionar um momento de lazer a todos os que nunca tinham saído de São Miguel.
“A romaria era uma coisa que não esperávamos. Foi tudo diferente, para melhor” afirmou o irmão Miguel, um dos mais jovens do rancho mas já com o “sentir da romaria” que “só quem a vive pode experimentar”. E, nem os 40 quilómetros que fizeram, um pouco mais do que é o habitual, por dia em São Miguel, os impediu de cantar, rezar e agradecer a Deus por este dia de caminho, guiado pelo ouvidor da ilha.
O padre João António Bettencourt das Neves é romeiro há dez anos; já cumpriu seis romarias em São Miguel. No final deste dia ficou a promessa, selada num abraço profundo, de que para o ano “se Deus me der saúde e vocês me acolherem irei convosco de novo em romaria na vossa semana em São Miguel”.
Visivelmente emocionado, testemunhou a “experiência de fé vivida por todos neste caminho”.
“No principio tinha outra ideia; depois do que vivi hoje só posso agradecer ao padre Francisco por se ter lembrado do Pico para esta iniciativa tão bonita”, disse ainda o sacerdote.
O Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso vestiu-se de festa para acolher estes peregrinos especiais e recebeu a visita de picoenses de várias latitudes, sobretudo da zona da ilha percorrida por estes romeiros e que correspondeu à primeira zona de povoamento do Pico, a mais antiga, tendo visitado 15 Igrejas e ermidas, duas delas as mais antigas da ilha.
“Hoje, vós como eu, ao vermos estes irmãos a subir a escadaria da fé deste povo, comovemo-nos, os nossos corações comoveram-se com os seus cantares ancestrais e, pese embora este lugar receba peregrinos desde 1862, a verdade é que hoje foi um momento histórico recebermos a primeira peregrinação de romeiros de São Miguel” afirmou o Reitor deste segundo maior santuário diocesano, padre marco Martinho.
“O Senhor Bom Jesus fez maravilhas com o dom destes irmãos romeiros, que sem medo testemunharam a sua fé tocando tantos e tantas de nós na humildade do seu caminho” disse ainda sublinhando que a vida “é uma romaria” em que “não caminhamos sozinhos, caminhamos sempre com Deus e com os irmãos”. Por isso, desafiou os participantes nesta celebração festiva a abrir o coração “por vezes endurecido” e a deixar-se “tocar pela Palavra de Deus “ que é amor.
“Quantas vezes traímos Cristo na pessoa dos irmãos quando os ignoramos e não fazemos o bem?”
“Predisponhamo-nos a sermos construtores do seu reino. Sermos cristãos não é dizê-lo com os lábios mas agir como tal. Não nos basta não fazer o mal. Temos de fazer o bem”, concluiu.
No final houve uma troca de lembranças: os romeiros ofereceram ao Santuário um azuleijo com a imagem do Rancho e uma pagela com o orago principal da sua Igreja- os Reis Magos- e o Reitor ofereceu um quadro com a Imagem do Senhor Bom Jesus Milagroso com uma inscrição a assinalar a passagem deste rancho.
Para além dos irmãos que habitualmente saem em São Miguel, participaram nesta Romaria três romeiros do Pico, dois deles sacerdotes.