Por António Pedro Costa
Durante as cinco semanas que duram o período quaresmal, ao todo este ano são 56 ranchos de romeiros, dois deles provenientes da diáspora, que percorrem as estradas de S. Miguel, andando no sentido dos ponteiros do relógio, parando em todas as igrejas e capelas da ilha ou como se diz nas romarias, visitando as casas de Nossa Senhora e rezando as toadas dolentes de avê-Marias infindáveis.
Em São Miguel, estas romarias de homens assumem uma dimensão comunitária inusitada e abrangem centenas de pessoas, num movimento à volta do qual muitas famílias católicas se unem em várias freguesias para disponibilizar meios de acolhimento e pernoita, bem como prover à sua alimentação.
Estes romeiros percorrem quilómetros e quilómetros a pé durante uma semana, trajando um xaile, lenço, saco para alimentos, bordão e terço, entoando cânticos e rezando em voz alta de forma destemida, contra o vento, a chuva ou o frio, mas caminhando sempre de forma fraterna e reafirmando a sua fé e agradecer a Deus as graças concedidas.
Há registo desde o início do povoamento que todos os anos grupos de homens, provenientes de muitas freguesias, vilas, cidades e da diáspora, caminham por atalhos e caminhos secundários, rezando e cumprindo promessas, numa caminhada sofrida mas cheia de calor humano, partilha e grande generosidade e espírito de irmão.
Estas romarias assumem particularidades ancestrais e intrinsecamente possuem uma mística difícil de explicar ao ponto de quem vai um ano, quer ir sempre mais e mais. Conheço até quem não possa, por circunstâncias várias ir num ano e fica pesaroso por ficar atrás, mas faz a romaria em espírito, pois sabe em qualquer hora do dia por onde anda o rancho e vai muitas vezes ao seu encontro
Durante 1 semana estes homens carregam consigo apenas um saco com o essencial e vão pernoitando em casas de famílias que os acolhem, em salões de igrejas e instituições que se oferecem para receber os Romeiros. A religiosidade do povo açoriano traduz-se também nestas manifestações de fé, quer seja no cumprimento de promessas, quer seja para agradecimento de graças recebidas.
Na casa em que são acolhidos é hábito os Romeiros lavarem os pés doridos- aproximando-se do ritual religioso da Última Ceia de Jesus, sendo servido um jantar, onde todos comem como irmãos. É uma marca da nossa tradição que identifica a nossa maneira de ser e de estar de ilhéus. Por isso, temos que respeitar este tipo de religiosidade popular e deveria antes ser aproveitada pela hierarquia religiosa para um aprofundamento da fé autêntica.
Já nos acostumamos a vê-los passar com um bordão de madeira na mão e trajam hábitos tradicionais, carregados de simbolismo que muitos não conhecem o seu significado. O xaile representa o manto com que cobriram Jesus; o lenço representa a coroa de espinhos; a saca que transportam às costas representa a cruz e o terço é dedicado à Virgem Maria.
Trata-se para uns de um legado cultural, que apenas integram a dimensão religiosa na história da nossa terra. Contudo, para o nosso povo, esta prática não é mais do que uma transmissão de fé dos nossos antepassados, que em momentos de aflição suplicavam a interceção de Nossa Senhora junto do Pai, pedindo a proteção do céu.
Nos últimos anos, as mulheres começaram a associar-se às romarias dos homens, contudo as femininas têm uma duração inferior a 24 horas, à exceção da Romaria feita pelo rancho de romeiras da Fajã de Cima, que envolve já três pernoitas e apenas levam como indumentária um lenço e um terço.