Simplicidade versus essencialidade
Após o último editorial em que muitos de nós nos revemos nos sentimentos quase antagónicos da nossa jornalista Carmo Rodeia, que mais poderia dizer nestes dias imediatamente anteriores ao Natal que não seja lugares comuns de todos conhecidos?
Encontrei-me a pensar nisto quando me ocorreu a ideia de que o importante é regressar ao núcleo do acontecimento natalício para depois sabermos ler e dar uma forma nova à vida que ilumine a nossa maneira de estar uns com os outros. Já se tornou lugar comum dizer que o Natal não se reduz à materialidade, troca de prendas, que por detrás das felicitações há muito de hipocrisia, que passada esta quadra tudo volta a ser como antes.
O facto de Deus se fazer homem na pessoa de Jesus será sempre o maior acontecimento da História jamais imaginado por qualquer mortal, apesar de muitos não pensarem na novidade nesse acontecimento. Esta proximidade de Deus imiscuindo-se na história humana é impensável em termos humanos. O encontro de Deus com o homem, é impossível de imaginar pela simples vontade humana, apenas é possível pela iniciativa de Deus; um encontro para o qual não podíamos nem sabíamos ir, não fora o Amor de Deus a vir até nós em Jesus Cristo.
As vivências da infância fazem-me recordar perfeitamente que na Noite de Natal o Menino Jesus estava ali, vinha trazer presentes, não sabíamos como, mas vinha nessa noite. E o que Ele vinha trazer era colocado no presépio. Não fui embalado com descidas pela chaminé, nem com o encher do sapatinho. Os presentes eram: botas de borracha para levar no inverno para a escola, ou então uns figos passados, e recordo-me de um carro de plástico amarelo que durou anos, porque não havia outro. Mas acima de tudo, era a simplicidade no estar, a alegria de existir, de ir para Missa do Galo e ver o presépio da Igreja. Era bom estar, sentia-se no ar o gostar uns dos outros, sem precisar de palavras, nem de expressões de afecto, por esse estava sempre lá. A alegria de estar bastava para tudo. Nem imaginava como o Natal podia ser melhor.
E é este modo simples de estar, independentemente da posse de bens para trocar, das ofertas, este sentir-se agraciado pelas pessoas em presença, nas diversas modalidades de família que hoje abundam neste nosso mundo, é este modo de estar que só pode existir se bebermos na fonte que alimenta os sentimentos desta quadra. E a fonte é o Presépio. É o Menino Jesus que está, que veio, que nasceu e vai nascer. É Ele a fonte de toda a magia que une a humanidade e ultrapassa todas as fronteiras. É este modo de estar – simplicidade versus essencialidade – um grande sinal da sabedoria eterna no hoje da vida a alimentar o coração não apenas nesta esta quadra, mas o ano todo. Em cada recanto do nosso interior sempre haverá espaço para esta Luz da História na alma de cada um.
Quando assim é, desejar Boas Festas, mais que uma formalidade, será o desejo de querer um modo mais humanizado de estar, de viver. Não será que andamos a sofrer de «alzheimer espiritual», como bem disse o papa Francisco há poucos dias?
Boas Festas!