Por António Pedro Costa
As Estrelas na Ribeira Grande são um fenómeno muito antigo de piedade popular, recuperado há precisamente 30 anos. Ultimamente, já se festeja noutras localidades dos Açores e muito particularmente em S. Miguel, 40 dias após o Natal, com grande entusiasmo do povo.
Há boas razões para se gostar das estrelas, porque a poesia é a linguagem dos apaixonados e a noite que se canta às estrelas está envolta de um romantismo. Esta festa de Nossa Senhora da Estrela remonta à procissão das velas com que os primeiros cristãos comemoravam a apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém.
Esta procissão já aparece no diário da peregrinação de Egéria à Terra Santa, por volta do ano 380, considerada a primeira escritora hispânica em língua latina. Atravessou o sul da Gália, de onde se crê que era natural, bem como o norte da Itália, cruzou em barco o mar Adriático e chegou a Constantinopla no ano 380 do nosso calendário e daí partiu para Jerusalém, onde presenciou uma procissão de tochas na véspera da festa da Senhora da Luz.
Nos Açores, em particular na Ribeira Grande, adquiriu um ambiente especial, com folia e com muita música à desgarrada, a Missa antes de o sol nascer, a procissão da alvorada, a confraternização de toda a cidade à mesma mesa no Quartel dos Bombeiros Voluntários, que têm também Nossa Senhora da Estrela como sua padroeira.
A apresentação de Jesus no Templo foi um negócio muito curioso, que importa descodificar para melhor entendermos o significado desta festa, em que o povo sai de noite à rua, mesmo com frio ou chuviscos. No Antigo Testamento, Deus instituiu um ritual como uma «compra» com que os pais resgatavam para a sua família o filho varão que pertencia a Deus.
Assim, Nossa Senhora e S. José compraram Jesus para nós, ao preço estabelecido por Deus: Jesus é nosso, por um negócio legítimo, instituído pelo próprio Deus. O Papa Bento XVI, comentou com bom humor que o Evangelista S. Lucas, que não era judeu, não se preocupou com pormenores e apresentou o resgate como se fosse uma apresentação, um oferecimento.
Os cristãos para festejarem condignamente este momento no templo, em que o Profeta Semião viu com os seus olhos o que fora prometido a todas as gerações, a chegada do Messias, alegremente começavam, desde a véspera, a tecer loas a Maria e a Jesus e, por isso, iam pelas ruas cantando e louvando a Mãe de Deus, preparando, assim, o grande dia de festa que a Igreja celebra a 2 de fevereiro de cada ano.
Esta tradição popular chegou à Península Ibérica e foi adotada pelos cristãos, numa homenagem à Mãe de Jesus e que hoje em dia se celebra acomodada aos costumes do povo, que foram evoluindo com os tempos, ao ponto de hoje em dia ser um momento alto de celebrar pitorescamente a grande estrela que é a Mãe do Salvador.
Este costume antigo prolongou-se pelos tempos fora e com a piedade popular a dar-lhe um sabor romântico, pois pela calada da noite com as suas lanternas, acordeões, violas, violinos e ferrinhos, lá vão aos magotes pelos aglomerados, cantando à Senhora da Estrela ou à Senhora das Candeias. Trata-se de uma herança cultural consolidada que irá perdurar pelos tempos fora, pois as tradições de um povo falam diretamente ao coração das pessoas e constituem o que há de mais arraigado na lembrança de cada um, pelo que é importante preservar a memória viva das raízes culturais, numa afirmação da identidade e do seu valor patrimonial imaterial.
Paulo VI explicou por que é que alguns espíritos iluministas não percebiam e criticavam o povo: é que a piedade popular «traduz uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar». Por seu lado, Bento XVI defendia a piedade popular como um «tesouro precioso da Igreja Católica».
Realmente, tudo isto é verdade ao mesmo tempo. A capacidade da poesia é evocar tudo, sem excluir nada. Nossa Senhora das Candeias, ou das Estrelas, é este negócio de enamorados, ao preço, sem preço, do amor infinito.
Na Exortação «A alegria do Evangelho», o Papa Francisco fala de Maria, chamando-lhe a Estrela da nova evangelização: «Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. Estrela da nova evangelização, ajudai-nos, para que a alegria do Evangelho chegue até aos confins da terra e nenhuma periferia fique privada da sua luz».