Por José Luís Brandão da Luz
As eleições legislativas regionais põem em marcha o calendário eleitoral deste ano, que decorre em três momentos. Estas primeiras eleições despertam maior envolvimento das pessoas do que as legislativas nacionais e as europeias, que virão a seguir, pois todos conhecem de perto os assuntos em debate, que acompanham com alguma informação e proximidade. Nestas eleições regionais, joga-se o nosso futuro próximo, desde a condução de políticas dos serviços que asseguram a gestão da qualidade da saúde, educação, emprego, formação profissional, habitação, transportes, dependências, segurança, até uma multiplicidade de apoios de natureza social ou assistencial, incremento da lavoura, da agricultura e das empresas, passando pelos assuntos culturais, as comunicações, o ambiente, o mar, o espaço e os demais que forem sendo reclamados ao sabor das circunstâncias e o eclodir dos incidentes naturais, cada vez mais frequentes, nas pescas, na agricultura, nas famílias e por aí fora.
Sobre estes temas temos em geral um conhecimento de experiência feito e opinião formada, mais com base no que nos convém do que nos critérios da sua sustentabilidade. Seria o tempo dos partidos políticos nos confrontarem com propostas alternativas que ajudassem a ter uma ideia dos desafios que temos pela frente, não em função de interesses imediatos que tendemos a privilegiar, mas de estratégias sustentáveis de médio e longo prazo. Porém, não tem sido este o procedimento, pois todos sabem de antemão que o destinatário da propaganda eleitoral é, em geral, um eleitorado pouco instruído e concentrado no imediatismo das suas conveniências. Os partidos, para não ficarem desligados dos circuitos de comunicação que asseguram a sua sobrevivência, optam por se acomodar aos anseios de quem detém a força de decidir: organizam a campanha e escolhem para as suas listas os candidatos que melhor se ajustam às exigências que o mercado dita. Tem sido este o preço pago pelas virtuosidades do sistema democrático que, para conquistar e fidelizar eleitores, obriga os partidos políticos a optarem por candidatos que aparentam maior competência mediática para falar o que o público espera ouvir, deixando de lado os que poderão ser capazes de dizer o que não está dito.
Iremos assim ver nos próximos dias, pelas ruas, de porta em porta ou de janela em janela, a correria dos líderes a denunciar, pedir, exigir e prometer tudo e mais alguma coisa. Já em pré-campanha, cada partido foi agitando, todos os dias, um caso ou outro de descontentamento que lhe chegava aos ouvidos, um protesto, uma exigência, uma negligência, uma lacuna, para as mais variadas carências que nos afligem. De dedo em riste para o muito que se pode fazer ainda, esgotam energias a denunciar e a apontar o que está em falta em cada rua, lugar, freguesia, instituição, sem ousarem avançar com algum projeto de desenvolvimento da Região, que persiste em baixos níveis de desempenho e não sabe como dar a volta a isso. A livre administração dos Açores pelos Açorianos não tem trazido, em termos comparativos, resultados animadores que deem esperança no futuro. Os cidadãos descreem dos políticos e desinteressam-se! Alguns lá vão votando nos que falam a sua linguagem e outros simplesmente não votam.
A campanha eleitoral é a festa da democracia, coisa que os partidos sabem animar, no meio de convívios, danças, charadas e risadas. É vê-los a desfilar, cada um mais afável que o outro, em arruadas, mercados, instituições diversas. Depois, são os debates televisivos, no mais empolgante foguetório de um acintoso palavreado, enviesado pela manipulação de dados que servem para alimentar remoques e discursos paralelos em que se desdizem uns aos outros. Prolongam o ambiente dos debates parlamentares, que os programas televisivos não se cansam de reportar, e que se resumem, em geral, a combates sem tréguas para mais investimento e a discursos extravagantes, num deserto de ideias para inventar o futuro que ninguém se dispões a olhar de frente. Fica-nos na memória o estilo caricato da eloquência dos inspirados líderes que, no tumulto do eriçado galopar dos seus discursos, que, muitas vezes, mal se consegue seguir, falam em nome duma escassa retaguarda para prometer por termo a uma série de coisas com que convivemos com gosto, ou para estabelecer outras que ninguém ou quase ninguém deseja; outros, porém, trepam pelas goelas acima a esgrimir razões, em estridentes falsetes, contra as maldades do mundo e a corrupção que lobrigam em cada esquina; outros excedem-se em tiradas declamatórias para impor moralidade em tudo o que lhes não agrada, agitando bandeiras sociais, as mais desencontradas, e passando atestados de incompetência a quem encontram pela frente; outros ainda, com total desprezo da encenação teatral, esgotam-se numa torrente de palavras, com uma fluência monótona mas inexaurível, para dominar, vituperar, bater os assuntos, como bate o malho num ferro em brasa. Todos reclamam mais e mais apoios para tudo o que mexe e encaminham quem os ouve na direção do protesto, que é sempre de bradar aos céus. No meio de tudo isto, tem sido possível vislumbrar, por entre algumas bancadas, mentes promissoras que bem mereceriam ser encorajadas a imprimir mais elevação e futuro promissor ao Parlamento. Sobressaem as intervenções dos líderes dos dois principais partidos que, quando também não descambam, o que só será um mal quando se tornar em regra, acabam sempre por deixar falar mais alto o espírito da sua velha alma mater coimbrã.
Na campanha eleitoral que se aproxima, espera-se que os partidos responsáveis se não mostrem reféns de agendas de protesto que têm sempre um horizonte tormentoso e de curto prazo. Nesta festa da democracia em que estamos a entrar, esperamos que as forças políticas encontrem também lugar para debater projetos que deem confiança ao valor e ao poder da autonomia como caminho credível para desenvolver os Açores.
(Este artigo foi publicado no Blogue Azorean Torpor, esta segunda-feira, dia 22 de janeiro e tem a autorização do autor para ser publicado no Sítio Igreja Açores. O título é da responsabilidade desta página)