Bispo de Angra diz que o grande desafio é fazer com que a partilha e a cooperação “deixem de ser esporádicas e casuais”
“Amarás ao Senhor teu Deus… e ao teu próximo como a ti mesmo” foi o mote de partida para a primeira de duas celebrações ecuménicas diocesanas, que reuniu o bispo de Angra, D. Armando Esteves Domingues e o Pastor da Igreja Presbiteriana, Carlos Rosa, na Capela do Hospital do divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, este sábado ao início da tarde, numa iniciativa promovida pela Comissão Diocesana para o Diálogo Ecuménico, organizada conjuntamente pelo Movimento dos Focolares em São Miguel.
“O diálogo é fundamental e devemos procurar sempre aquilo que nos une e o que nos une é este Deus uno e trino que nos deve alimentar independentemente das nossas diferenças” referiu ao Sítio Igreja Açores Ricardo Esperanço, responsável por esta Comissão, que está integrada no Instituto Católico de Cultura.
“Há muito trabalho a ser feito e estas celebrações alertam para esta necessidade . Há cada vez mais grupos a serem constituídos, mas ainda são pequenos grupos que precisam ser alargados. O ecumenismo e o diálogo religioso, seja dentro das igrejas cristãs seja com outras religiões , é sempre um caminho e um caminho particularmente favorável à paz” referiu ainda Ricardo Esperanço.
“Este é um tema que não nos pode deixar indiferentes: há sempre o momento em que temos de aceitar o outro na sua diversidade, encontrar formas de diálogo, aceitar o outro na sua prática cientes de que caminhamos e temos fé e que Deus é o mesmo na sua essência; a forma como o representamos é que é diferente”, esclareceu ainda o responsável.
O momento de oração desta tarde contou com duas leituras da Bíblia: uma passagem do antigo testamento e a proclamação do Evangelho, feita pelo bispo de Angra, da parábola do Bom Samaritano, segundo São Lucas.
“Somos todos convidados a refletir, rezar e fazer caminho com os irmãos de outras Igrejas de denominação cristã, de modo a construir laços fraternos e enfrentar os grandes problemas comuns com o mesmo olhar de Jesus, o centro da nossa fé” disse o bispo de Angra ao Sítio Igreja Açores.
A proposta de oração pela Unidade dos Cristãos, nesta semana que termina no dia 25, foi preparada pela Equipa Ecuménica do Burkina Faso, um país que está a passar por uma grave crise de segurança, que afeta todas as comunidades religiosas e, consequentemente, sente na carne a falta de coesão social, pois a paz e a unidade nacional deterioraram-se drasticamente.
“Neste contexto de conflito, que nos lembra tantos outros lugares de guerras entre povos irmãos e cruéis perseguições religiosas, propõe-se que todos os cristãos das diversas igrejas, através da oração, de momentos de diálogo e ações conjuntas, possam testemunhar que a centralidade do amor na Vida Cristã é o grande caminho para a unidade” esclarece ainda o prelado diocesano sublinhando que o “amor é o `DNA´ da fé cristã, que nasce da fé em Deus Amor”.
“Não são as identidades compartilhadas que nos devem levar a ajudar o outro, mas o amor ao nosso próximo” enfatiza D. Armando Esteves Domingues.
“As guerras em muitas regiões, os desequilíbrios nas relações internacionais e as desigualdades geradas pelos ajustes estruturais impostos pelas potências ocidentais ou por outras forças externas inibem a nossa capacidade de amar como Cristo amou. É aprendendo a amar uns aos outros, independentemente das nossas diferenças, que os cristãos podem tornar-se próximos como o samaritano do Evangelho” diz ainda, destacando que “no atual contexto mundial, o ecumenismo torna-se fundamental para fazer crescer a cultura do amor fraterno sobre a qual Deus pode construir a unidade como Ele a pensa para todos. A unidade é o testamento de Jesus: `Pai, que todos sejam um´! Os cristãos não podem perder a esperança”, concluiu.
A escuta dos outros cristãos tem estado entre as orientações do processo sinodal mundial da Igreja Católica desde o início. E o Papa Francisco não perdeu a oportunidade de sublinhar a sua importância: “Hoje, para um cristão não é possível, não é praticável ir sozinho com a sua própria confissão. Sozinho nunca. Não podemos”. Aliás, por proposta do prior da comunidade de Taizé, a Assembleia do Sínodo, em outubro passado, foi precedida, pela primeira vez, de uma Vigília Ecuménica na Praça de São Pedro.
“Agora trata-se de dar um passo em frente e criar uma verdadeira sinodalidade ecuménica: fazer com que a partilha e a cooperação deixem de ser esporádicas e casuais, intensificando-se apenas em momentos particulares como a Semana de Oração pela Unidade, para se tornarem uma dimensão fundamental do ser Igreja”, concluiu o prelado.
Também em declarações ao Sítio Igreja Açores, o pastor Carlos Rosa lembrou que a unidade é “o único caminho”.
“Não há outra alternativa senão unirmo-nos e esquecermos as nossas pequenas divergências para promovermos a união em torno de um bem maior que é Deus” referiu.
“Está nas nossas mãos, mas muitas vezes estamos mais distraídos. Se entre nós, que sabemos o que é o bem não tivermos a capacidade de nos unir, como é que o bem há de triunfar?” interpelou ainda o Pastor que assiste duas comunidades com cerca de 300 fieis registados, ” mas uma prática muito mais reduzida”, na Lagoa e em Ponta Delgada, depois do encerramento da Igreja da Lomba de São Pedro, no Nordeste.
“O hino que serve de tema para esta celebração diz-nos que estamos nas mãos de Deus e Deus quer estar nas nossas mãos e nós teremos de deixar que isso aconteça”, disse ainda.
Também na ilha Terceira foi celebrada este sábado uma cerimónia ecuménica que reuniu quatro confissões cristãs: católica, luterana, baptista e evangélica, e foi presidida pelo Vigário Episcopal para o Clero e formação, padre José Júlio Rocha esmagadora e o pastor protestante Erik Fay, da capelania da Base das Lajes, onde a maioria dos norte-americanos professa o protestantismo. A celebração decorre no treato do Divino Espírito Santo de Porto Martins e juntou mais de 3 dezenas de pessoas, muitas delas crianças da catequese.
“O Espírito Santo é que nos dá o dom da unidade. Tentar ver que apesar das diferenças há muito mais que nos une é o principal desafio desta celebração que será muito espontânea e será sobretudo de partilha de experiências de fé”, afirmou ao Sítio Igreja Açores o padre José Júlio Rocha.
“Em tempos mais antigos vincavam-se muito as diferenças dogmáticas, morais e pastorais. Quanto mais formos ao Evangelho, a Jesus que funda a Igreja, verificaremos que há mais unidade do que se pensa, porque no centro está o amor. Esse é o grande mandamento de Jesus para a Igreja e para os homens”.
O ecumenismo é o conjunto de iniciativas e atividades tendentes a favorecer o regresso à unidade dos cristãos, quebrada no passado por cismas e ruturas.
O ‘oitavário pela unidade da Igreja’, hoje com outra denominação, começou a ser celebrado em 1908, por iniciativa do norte-americano Paul Wattson, presbítero anglicano que mais tarde se converteu ao catolicismo.
As principais divisões entre as Igrejas cristãs ocorreram no século V, depois dos Concílios de Éfeso e de Calcedónia (Igreja copta, do Egito, entre outras); no século XI com a cisão entre o Ocidente e o Oriente (Igrejas Ortodoxas); no século XVI, com a Reforma Protestante e, posteriormente, a separação da Igreja de Inglaterra (Anglicana).