Aproximamos-nos do último domingo do Advento e da chegada dessa grande noite de Natal.
Por isso, com a benevolência própria do espírito da época, peço a compreensão dos leitores para este texto que os comunicólogos classificarão mais como crónica do que como editorial.
Nesta altura do ano sinto-me sempre meio perdida, invadida por sentimentos muito contraditórios. À felicidade que é ser cristã e assinalar o nascimento de Jesus, o essencial desta noite, acrescento sempre uma tristeza que me consome a alma e me aperta o coração.
Egoísmo dirão alguns; pieguice classificarão outros, recordando-me que sou uma felizarda de barriga cheia, que se dá ao luxo de fazer memória de um Natal abundante, esquecendo milhares e milhares de pessoas que nunca, por um momento viveram o Natal, independentemente das razões concretas de cada um.
Espero sempre por alguém que não chega; a mesa tem cada vez mais espaço para colocar quinquilharias; os cotovelos deixaram de se tocar porque já não há vizinhos; a sala também não precisa de alterações para cabermos todos e o ruído das crianças, à espera da meia noite, transformou-se num silêncio ensurdecedor.
Falta-me quase sempre o aconchego dos que partiram, alguns tão cedo demais, ou dos que estão longe e que são porventura os mais presentes, porque nem com uns nem com outros o fio foi cortado, mas faltam… e as faltas por estes dias doem mais…
Recordo as longas conversas em família, as zaragatas por este ou aquele brinquedo e a entrada na igreja à noite, quando éramos tantos e cinco bancos não chegavam para todos.
Lembro-me que apenas havia uma prenda por pessoa- éramos muitos-; só os mais pequenos tinham direito a mais, mas o aconchego da casa da avó e depois dos pais, era mais que suficiente.
Hoje temos tudo. Transformamos o Natal num hipermercado onde se vendem e se compram os brinquedos da moda, as melhores iguarias para enchermos a mesa da consoada, muitas vezes até desvirtuando aquilo que é tradicional, mas não conseguimos, eu pelo menos ainda não consegui, que deixasse de haver cada vez mais espaço na mesa nem de afastar as cadeiras para disfarçar. E isso dói, ai se dói…
Estamos mais velhos e mais carentes. Mais sós e mais vulneráveis. Talvez por isso, também, temos a obrigação de ter o coração mais adulto para perceber o Natal. Aquele que é feito apenas com Jesus e com o mistério da sua encarnação.
O nascimento humano de Deus deve, por isso inaugurar em nós um ciclo esperançoso de vida. Sem perdermos de vista o olhar da inocência, aprendendo a construir pontes, elogiando a vida e agradecendo o amor.
Neste Natal, “acende no centro de ti uma prece/ mesmo se o lume que trazes// te parece ameaçado ou imperfeito” (José Tolentino Mendonça).
Um Santo e Feliz Natal.