Pelo padre José Júlio Rocha
Sabia-se que, no dia seguinte àquele, Jesus ia passar por Jericó. Já nessa altura Jesus devia ser uma espécie de lenda nas terras que ficavam mais longe da Galileia. Ouvia-se falar Dele, dos Seus milagres, das coisas novas que Ele dizia. Falava-se mesmo que Ele era um profeta, daqueles que Israel tivera em tempos idos e que teimavam em não aparecer, se calhar Deus tinha abandonado o Povo devido aos seus pecados. Mas agora, ao que parecia, um novo profeta visitava a Casa de Israel. Era o que se dizia, e os chefes religiosos torciam, como sempre, o faustoso nariz.
Um tal de Zaqueu era tão pobre, mas tão pobre que a única coisa que tinha era dinheiro e ganância a acompanhar. Era uma pessoa mal vista, odiada mesmo, porque um chefe de publicanos não podia prestar para nada. Diz o Evangelho de Lucas que ele era de baixa estatura, e os Evangelhos quase nunca se detêm a descrever características físicas dos humanos, nem sequer de Jesus, de quem não sabemos a altura, a feição, a cor dos olhos ou qualquer outro item corporal. Zaqueu, esse, era de baixa estatura, não só física mas também moral, já que todos o consideravam um grande pecador. Ouviu dizer que Jesus visitava Jericó e quis, no mínimo, vê-Lo.
Do cimo de um sicómoro – figueira frondosa – é possível ver sem ser visto. Foi o que fez. Sentado, confortável, longe da multidão, escondido. É o que nós costumamos fazer quando vamos à missa: para ver Jesus passar, ou seja, ouvir o padre que fala bem, conhecer melhor Jesus, rezar um bocadinho. Falso. Só vamos à missa por uma razão: sermos atingidos por Jesus, tocados, transformados, prontos para O levar ao mundo.
Mas, azar dos azares, Jesus viu Zaqueu. Deve ter havido, naquele instante, antes de Jesus falar, um momento de expetativa, as pessoas que enchiam o caminho também olharam para a árvore, para Zaqueu: “O que será que Jesus lhe vai dizer? Com que palavras o vai condenar?” Expetativa.
E o que é que Jesus disse àquele grande pecador?
– “Seja anátema Zaqueu, pecador-mor, condenado à pena eterna!” (Não. Esta não está na minha Bíblia)
– “Zaqueu maldito: tens de pagar por todos os crimes e pecados que cometeste!” (Hummm… Também não.)
– “Zaqueu, antes de entrares no Reino tens que mudar radicalmente de vida, regularizares a tua situação, abandonares o teu mundo de pecado.” (Nope… Não está lá, na minha Bíblia)
– “Zaqueu: vem tomar ali um café que precisamos ter uma conversa!” (hahaha… nem pensar!)
O que Jesus disse a Zaqueu vem estampado em Lucas 19, 5: «Zaqueu, desce depressa, porque hoje preciso de ficar em tua casa.» Brutal! Jesus não precisava de mais ninguém naquela terra seca, junto ao Mar Morto. Jesus precisava era de Zaqueu. E Zaqueu, que nunca fora amado, sentiu-se amado pela primeira vez. E caiu da árvore abaixo e recebeu Jesus rebentando de alegria e decidiu dar tudo o que tinha.
Era assim Jesus. É assim a Igreja?
Como é que a Igreja, mestra e serva de Jesus, trata os Zaqueus de hoje? Quando é que a Igreja “precisou” dos “grandes pecadores” como Jesus precisava? Como é que os tem amado como Jesus os amou? Quando é que saiu ao seu encontro como o Divino Mestre? Quando é que não pediu nem exigiu nada aos Zaqueus, apenas uma morada no seu coração? Quando é que abraçou sem pedir nada em troca, como o Pai ao filho pródigo?
Muitas vezes. E também muitas não.
Quando o Papa Francisco fala em Igreja “em saída”, missionária, hospital de campanha, sem portas, onde possam caber todos, todos, todos, está a lembrar a essa Igreja e ao mundo que Jesus falava e fazia assim. A estrutura semirrígida da Igreja, com as suas leis e preceitos – certamente necessários em muitas ocasiões – dá muitas vezes a ideia de um bloco fechado, um clube de elite ética e religiosa que exige determinados requisitos para se ser membro.
Sinodalidade e acolhimento não são mais do que amar como Jesus amou. E certamente o amor é o requisito supremo. Não se trata de fazer da Igreja o “clube de todos”. Trata-se, isso sim, de fazer tudo para que todas as pessoas possam ter a oportunidade de se encontrarem com Jesus Cristo, com a Igreja como mediadora e não como empecilho. Cada vez que fechamos a porta, cada vez que não saímos ao encontro, há sempre um Zaqueu que ficou em cima da árvore.
No próximo Domingo, dia 26, na missa da Sé, às 18 horas, a Diocese de Angra vai lançar o Itinerário Pastoral Diocesano, que visa chegar ao Jubileu da Esperança em 2025 e, daí, partir para um Plano que nos leve até 2034, aos quinhentos anos da Diocese. Serão dois anos para caminharmos juntos, dois anos de acolhimento e auscultação, dois anos de estudo e autorreflexão, onde a parte essencial da Igreja – os leigos –, com a sua missão específica, tem que ter um papel de protagonismo.
Acusam o Papa Francisco de querer uma Igreja demasiado “mundana”, virada para as coisas deste mundo, conformada com este mundo. Acho que mundano mesmo é o modelo demasiado “humano” de exercício de poder de que a Igreja, por vezes, foi vítima. Foi isso que, frequentemente, impediu a Igreja de ser ele mesma, sem autorreferencialidades, em saída.
Ao que parece, a última coisa que Jesus fez com os discípulos foi lavar-lhes os pés.