Por Renato Moura
A Ester foi uma jovem sem uma mão, em criança foi dada ou vendida, depois foi resgatada por umas freiras, mas continuando a sentir-se mal-amada, fugiu. Casou com o primeiro homem que encontrou, mas não foi respeitada e teve de o deixar. Finalmente voltou a casar com um homem que a estimou.
Mantinha o desgosto de, como recasada, não lhe ser permitido comungar, face às restrições impostas pela Igreja Católica. Certo dia procurou o padre da paróquia e disse-lhe que não poderia morrer sem comungar. Explicou a revolta de se sentir excluída, pois não matara ninguém, apesar de quem mata poder confessar-se, ser perdoado e comungar. Pedia: deixe-me comungar.
O padre respondeu-lhe que nem ele, nem nenhum padre a poderia impedir de comungar e aconselhou-a a falar com Deus e explicar a sua revolta, a sua aflição, o seu desejo; e depois disso procedesse como Deus lhe dissesse.
No Domingo seguinte, perante a estupefacção da gente conhecedora do seu impedimento, foi comungar, mas quem distribuía a comunhão não era o padre com quem falara. Ele deu-lhe a comunhão, mas posteriormente advertiu-a severamente, por ela bem saber que não poderia ter ido comungar. Ester protestou, lembrando que durante toda a vida lhe haviam enviado pedras e agora o padre também estava a enviá-las; e talvez contra ele haveria mais razões para arremessarem pedras.
Ester veio a morrer algum tempo depois.
Espero ter reproduzido com rigor esta história contada pelo P.e Avelino Pereira Alves, Pároco de S. Pedro, da vila de Pero Pinheiro, na zona de Sintra. Foi ele o padre abordado pela Ester, a pedir para comungar; foi ele quem a aconselhou a falar com Deus. Foi o P.e Avelino o contador desta história na celebração da Missa transmitida pela TVI no passado Domingo. Talvez muitos a tenham escutado. Mas será importante reproduzi-la aqui, para quantos não tiveram essa oportunidade.
O P.e Avelino vincou: mesmo quando somos fariseus e hipócritas, Deus torna a nossa indignidade digna e convida-nos a todos para o “Banquete”, pois nada nem ninguém nos pode excluir do amor de Cristo. Contristou-se pelo facto de a Igreja excluir com as afirmações: “não se pode comungar por isto, não se pode ser padrinho por aquilo”. E relembrou a mensagem do “todos, todos, todos”, recentemente pregada pelo Papa, na JMJ23.
Abstenho-me de qualquer comentário. Atrevo-me apenas a apelar à reflexão: de cada padre, sobre se é Avelino, ou o outro; de cada cristão, pois há leigos mais clericais que o clero; dos homens e mulheres, se têm a fé e a coragem da Ester.