Nem os evangelistas, nem os copistas medievais da bíblia, nem Gutemberg, nem os pais da rádio e da televisão sonhavam no que isto ia dar, quando se aventuraram à criação e expansão técnica da grande comunicação.
O que se não disse sempre se pode dizer mas o que já está dito não volta atrás. Essa experiência começou por ser doméstica, familiar. Gestos rudes, palavras que eram apenas sons desgarrados, porventura roncos, foram alisando com o tempo, convertendo-se em línguas vivas, identificadoras dos povos, de tal forma que Pessoa disse, e com razão, que a sua pátria era a língua portuguesa. Aberta a janela para fazer passar a outros sentimentos e informações, a interação falar-ouvir, gerou uma civilização dialogal nova. Multiplicadas pelas rotativas, pelas ondas hertzianas, pelas imagens e sons, elevadas ao céu dos satélites, expelido em pixéis, fizeram da terra um globo minúsculo e uma aldeia de cristal, sem portas nem janelas, onde tudo o que se passa em qualquer recanto se torna espetáculo que se exibe em todo o planeta.
Que levam estes subtis objetos? Cultura, afeto, informação, discussão, mensagens de guerra e paz, fé, partilha de conhecimentos, ciências, artes, técnicas, novidades de engenhos, células, átomos, recontagem da história e da religião. Numa velocidade estonteante com uma instantaneidade cada vez mais avassaladora. Um acontecimento como os Jogos Olímpicos transforma-se em grande celebração “ecuménica” planetária, onde todos podemos estar um pouco e entoar um hino de louvor ao homem, rei da criação.
Mas na pequena casa, como nas cidades, países, continentes, raças, etnias e religiões, discute-se, atropela-se, ameaça-se, faz-se guerra porque as fábricas de produtos para matar entraram no mercado corrente de modas e smarts, e foram tão eficazes no fabrico de armas mortais como na redescoberta dos suplementos de vida que alteraram o mapa do mundo na relação dos jovens com os idosos.
A verdade é que a cidade mediática não é sempre lugar de sossego na vida dos homens. Segue em direto as guerras e mortes, lutas pelo poder, pelo dinheiro, pela terra, pelo pão. Multiplica afetos e ódios. Lança mísseis, incendeia patriotismos, idolatra religiões, banaliza o terror, serve-nos violência nas notícias das 8.Temos vivido em sobressalto em torno de capturas, cadeias, acusações, processos, sentimentos, suspeitas, corrupções, dinheiros sujos vindos não se sabe de onde. (Raramente o dinheiro é limpo!) E com os mega media, tudo isso se torna num folhetim, de tons reais, poderes judiciosos, violação de segredos, agentes de fardas e paisanas, suspense de desfechos, mistura de informação com serviço de abutres.
E tudo isto com o povo no circo a pedir mais, mais espetáculo, mais pormenores, mais choro e chicote. E a dizer que já está cansado de tanto mas vai a todos os buracos de fechadura espreitar mais, saber mais, para mais contar, desenvolver, comentar, para se tornar em narrador próximo dos protagonistas. Lembra aquele senhor no velório com pena de não ser o morto para todos lhe prestarem homenagem. Televisões, rádios e jornais, não dormem. Apenas, dizem, cumprem a sua missão. Os consumidores dormem mal. Apenas, dizem, exercem o seu direito de saber o que se passa no seu pequeno bairro que é o conjunto de imagens e sons, lágrimas e suspiros. Tudo levado quase ao extremo nas frases, nas fotos que enchem redes sociais, jornalistas de telemóvel, reporteres de twitter, megafones de facebook, pintores de novas cenas, inventores de notícias, contornos, pormenores, ângulos e comentários. Uma enciclopédia de banalidades, convertendo em post, blog e skype, as conversas das vizinhas enquanto bordam à porta com os dedos ágeis nas linhas enquanto, de língua afiada, passam a pente fino todas e cada uma das criaturas da aldeia.Com forma e conteúdo semelhantes diálogos marialvas de taberna ou de casino.
Maldito, este mundo? Nem pensar. Uma plataforma em erupção como o vulcão que não calculou os efeitos do grande vómito de fogo – que é a comunicação. Tudo estará no coração que lê e seleciona os acontecimentos, a forma como julga os outros, o ângulo com que lê os sinais dos tempos e o tom de humanidade com que narra o real com o ser humano sempre no centro.
Uma consciência serena, cristã, sem medo, sem excesso de espanto “nada te perturbe, nada te espante, só Deus basta”, compreende melhor o que é o homem, as circunstâncias, o poder, a fragilidade, a prepotência, a arrogância justiceira. E ouve bem clara aquela palavra de Jesus: ”não se perturbe o vosso coração”. (João 14)
Pe António Rego