Por Carmo Rodeia
Na última semana, Portugal recebeu milhares de peregrinos para a Jornada Mundial da Juventude. Todos os canais televisivos fizeram a cobertura do evento e as imagens impressionaram pela moldura humana que se juntou para receber o Papa Francisco. Um milhão e meio, dizem, só no Palco Tejo.
Tive a sensação, pelo que fui ouvindo e lendo, que durante esse período conseguimos arrumar por momentos a polémica na gaveta e mesmo os mais cépticos em relação ao sucesso da jornada tiveram de se conter. Imagino como não se deve estar a sentir Bordalo II, que enrolado no seu próprio tapete deve estar a corar de vergonha pelo que disse e pelo que fez embora o tenha feito no legitimo exercício da liberdade de expressão.
Nestes dias, o comentário positivo repetiu-se nas televisões, nas rádios e no espaço público em geral porque o contágio de emoções positivas, diante da onda avassaladora de jovens que aderiram ao evento, foi grande entre os jornalistas e a audácia comunicativa de Francisco, assertivo como sempre, tocando na ferida e nas feridas da humanidade, sem esquecer a Igreja em Portugal, impediu que alguém pudesse ver uma falha que houvesse e a tornasse notícia viral. O sorriso de Francisco e a sua frontalidade, expressa de forma simples e empolgante, contagiam mesmo os mais empedernidos, quanto mais os jovens.
Em cinco dias, o Papa Francisco esteve em vários locais da capital e foi a Fátima; falou para centenas de milhares de jovens e deixou inúmeras ideias sobre o “seu” projecto de Igreja, que há muito já vínhamos a perceber através dos três documentos basilares do seu Pontificado, as encíclicas Evangelli Gaudium, Laudato Si e Fratelli Tutti, sem esquecer esse documento fundamental sobre a Misericórdia. E desse projecto retenho aquela que para mim é a ideia central de toda a jornada: a Igreja tem de ter espaço para todos e saber dialogar com o mundo, para ser relevante. Não para ter poder, ou para o exercer, mas para poder ser a voz de quem não a tem. E as minorias, por vezes demasiado numerosas para serem desconsideradas, continuam sem voz. Dentro e fora da Igreja.
Do ponto de vista comunicacional gostava de ressalvar o facto de Francisco se ter expressado em espanhol, sua língua materna e por isso, uma opção que o deixava mais confortável para sair dos textos escritos. Isso foi bem visível em Fátima, onde evocou o desenho arquitectónico da Capelinha das Aparições para sublinhar o que queria dizer com o desejo de uma Igreja aberta a todos: “A Capelinha em que nos encontramos é como uma formosa imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas para que todos possam entrar(…) todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe e uma mãe tem sempre coração aberto para todos os seus filhos. Todos, todos, todos, sem exclusões(…)”.
Que bom, o papa Francisco ter tomado esta decisão. É no improviso que tem feito as declarações mais espantosas no seu pontificado. Francisco improvisou muito, ignorando muitas vezes os papéis que trazia com os seus discursos e reduzindo consideravelmente o tempo usado. Preferiu, sem dúvida, catequeses simples e breves, marcadas pelo diálogo com a multidão de jovens, centrando-se particularmente nos medos e nos sonhos desta juventude, tantas vezes explorada e outras tantas vítima do seu próprio progresso tecnológico.
E desta grande catequese, ao longo de cinco dias, resulta um sonho de Igreja que nos faz recuar mais de dois mil anos.
O Papa falou aos jovens, a partir da cidade de Lisboa, mas falou também ao mundo, na lógica das mensagens Urbi et Orbi: não tenham medo de dar testemunho de fé e não desistam de caminhar, mesmo perante as quedas que vão inevitavelmente sofrer pelo caminho, e pediu-lhes que não julguem ninguém pelas quedas.
Falou também para dentro, para pedir a todos os católicos que evitem a tentação de olhar para a Igreja a que pertencem como uma instituição composta por gente perfeita, que exclui quem considera imperfeito: pelo contrário, a Igreja tem lugar para “todos, todos, todos”, a expressão que se tornou num slogan desta JMJ, repetida dezenas de vezes pelo Papa e por milhares de jovens, e que poderá muito bem tornar-se num dos slogans principais do pontificado de Francisco.
Se tivesse de resumir o que se passou em Lisboa diria de forma simplista que foi o anuncio da revolução do Amor. O amor que transforma, que dá esperança e alegria, o amor que não deixa ninguém para trás, o amor que consola e aconchega, o amor que cria paz, primeiro no nosso coração e através dele nas nossas relações.
Estes dias foram de empatia, de comunhão e de tolerância. Nem sequer seria preciso acreditar em Deus, nem sequer ir à Igreja, para entender esta mensagem, para entender que a grande mensagem que Francisco deixou aos jovens é a da prevalência do amor. E só no amor de Deus cabem todos.
“Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (Jo 4: 7-8)
E qual é a medida do Amor, perguntava Santo Agostinho. É amar sem medida… os jovens percebem isto. Nós, é que as vezes não percebemos. Quem quiser ouvir que oiça… e se deixe transformar. Na Igreja ou fora dela, mas sobretudo na Igreja, que somos todos nós.