O Papa recebeu hoje, na Capela Sistina, um grupo de cerca de 200 artistas contemporâneos, incluindo sete portugueses, convidando-se a ser uma “consciência crítica da sociedade”, denunciando as desigualdades e o egoísmo.
“A arte e a fé não podem deixar as coisas como estão: mudam-nas, transformam-nas, convertem-nas”, referiu, num discurso em italiano, longamente aplaudido pelos presentes.
O encontro, com transmissão online, assinalou o 50.º aniversário da inauguração da coleção de arte moderna e contemporânea dos Museus do Vaticano.
“Sinto-vos aliados para tantas coisas que me são caras, como a defesa da vida humana, a justiça social, os últimos, o cuidado da nossa casa comum, o sentirmo-nos todos irmãos. Eu preocupo-me com a humanidade da humanidade”, referiu o pontífice.
Como os profetas bíblicos, confrontais-nos com coisas que às vezes nos incomodam, criticando os falsos mitos de hoje, os novos ídolos, os discursos banais, as armadilhas do consumo, as artimanhas do poder”.
O Papa começou por sublinhar o espaço escolhido para o encontro, a famosa Capela Sistina, afirmando “aqui tudo é arte”.
Entre os convidados estavam o músico Pedro Abrunhosa, os escritores Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto, os artistas plásticos Rui Chafes, Joana Vasconcelos, VHILS e a arquiteta Marta Braga Rodrigues.
Francisco elogiou a “profundidade inesgotável” da arte, num tempo em que muitos “têm dificuldade em ver a vida como uma realidade multifacetada”, apelando a uma nova “aliança” entre a Igreja e os artistas.
“Esperamos novos frutos também no nosso tempo, em clima de escuta, liberdade e respeito. As pessoas precisam destes frutos, frutos especiais”, apontou.
A intervenção deixou vários elogios à criação artística, que alarga horizontes e é capaz de “inventar novas versões do mundo”, antes de citar a pensadora Hannah Arendt para sustentar que ser humano é “viver para trazer novidade ao mundo”.
“Sois aliados do sonho de Deus, sois olhos que observam e sonham. Não basta apenas olhar, é preciso também sonhar”, assinalou Francisco.
Sois chamados a escapar ao poder sugestivo daquela suposta beleza artificial e superficial, que hoje se difunde, muitas vezes cúmplice dos mecanismos económicos geradores de desigualdades. Essa beleza não atrai, porque é uma beleza que nasce morta”
O Papa disse ser importante ter ironia e sentido de humor, realçando que os artistas podem ser “sentinelas do verdadeiro sentido religioso, por vezes banalizado ou comercializado”.
“É preciso lançar a luz da esperança nas trevas da humanidade, do individualismo e da indiferença. Ajudai-nos a vislumbrar a luz, a beleza que salva. A beleza que salva”, apelou.
A última passagem do discurso evocou os mais pobres e sem voz, desafiando os presentes a “interpretar o seu grito silencioso”.
Gostaria de vos pedir que não esqueçais os pobres, que são os favoritos de Cristo, em todas as formas como hoje se é pobre. Até os pobres precisam de arte e beleza”, concluiu.
O evento foi organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação, presidido por D. José Tolentino Mendonça, em colaboração com o Governo do Estado da Cidade do Vaticano, os Museus do Vaticano e o Dicastério para a Comunicação.
O cardeal afirmou, no lançamento do encontro, que “é preciso relançar a experiência da Igreja como amiga dos artistas, interessada nas questões que o mundo contemporâneo coloca (tanto o atual, pressão do drama, como aqueles tão visionários que indicam novos futuros possíveis) e dispostos a desenvolver um diálogo mais rico e um crescimento de compreensão mútua”.
Na Capela Sistina estiveram, entre outros, o artista plástico Vik Muniz, do Brasil, e o músico Paulo Flores ou o artista plástico Pedro A.H. Paixão, de Angola; o brasileiro Caetano Veloso cancelou a sua presença devido a problemas de saúde.
(Com Ecclesia)