Inteligência Artificial: será que ainda vamos a tempo de a controlar?

Por Carmo Rodeia

Confesso que nunca fui muito fã de ficção científica. Acho que parei no 2001: Uma Odisseia no espaço, depois de ter visto Star Wars; Et, o Extraterrestre e o Espaço 1999, que seguia atentamente na televisão pois era tema de brincadeira no recreio da escola, onde o grupo interpretava cenas vistas no dia anterior e eu aspirava sempre a ser a Maya.

A ficção cientifica nunca foi muito o meu género nem no cinema nem na literatura. Mas, hoje, folheando noticias, ouvindo especialistas e acompanhando o que se vai fazendo, não me sobram muitas dúvidas sobre o realismo assustadoramente perigoso entre o enredo desses filmes e a vida real, tal como ela hoje se apresenta.

Embora não sendo fã nem acompanhando muito o que se escreve e se diz sobre o assunto, tenho procurado estar mais atenta e segui alguns dos thrillers dos principais filmes, mais que não seja porque muitos passaram pelas sucessivas cerimónias dos óscares que raramente perco.

Quero acreditar que ainda não existem clones humanos como em Blade Runner, mas já não tenho tanta certeza se no outro lado de uma conversa online está um ser igual a mim em humanidade ou um bot.  E o problema, mais assustador ainda, é que os alertas sobre esta possibilidade real vêm de quem trabalhou uma vida inteira para o desenvolvimento da inteligência artificial, conhece bem os meandros e os interesses à sua volta e, sobretudo, está muito ciente do perigo real que ela constitui para a nossa própria existência civilizacional.

Quando estudamos as redes sociais, facilmente percebemos que os sistemas de inteligência artificial já as controlam e com elas conytrolam o essencial das nossas vidas;  ficam com os nossos dados, sabem do que gostamos, o que pensamos ou acreditamos ou, ainda consumimos, e até são capazes de falar por nós, como se verificou como ChatGPT.

No inicio desta semana, 350 investigadores e peritos, entre os quais os líderes de algumas das maiores empresas de desenvolvimento de inteligência artificial, como a OpenAI e a Google DeepMind, divulgaram uma carta aberta para sublinhar que a mitigação desse risco tem de ser encarada como “uma prioridade global”, noticiava o Expresso esta quarta-feira.

Entre os subscritores está também Geoffrey Hinton, um dos pioneiros da inteligência artificial, que no início deste mês se despediu da Google, onde era vice-presidente, para poder falar abertamente sobre os perigos, ciente de que a Inteligência artificial pode representar o fim da nossa civilização.

Numa entrevista recente também ao Expresso, Yuval Noah Harari, um dos mais proeminentes pensadores da atualidade, também não poupou nas palavras: a IA é uma “bomba atómica” que pode acabar com a Democracia. Também outro investigador do MIT, Noam Chomsky, fala da Inteligência Artifical como o ataque mais radical à ciência e à inteligência.

No dia 10 de janeiro deste ano, no evento “AI Ethics: An Abrahamic commitment to the Rome Call”, Dom Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, acompanhou o rabino-chefe Eliezer Simha Weisz e o xeique Abdallah bin Bayyah e os três, representantes das religiões abraâmicas, assinaram um acordo com vista à criação de uma “algorética”, designação encontrada para a criação de uma ética do desenvolvimento da inteligência artificial, para os quais tem de haver um conjunto de limites éticos.

Na ocasião o Papa Francisco alertou para os limites do projecto “transhumanista” e pediu uma avaliação dos avanços científicos não apenas em termos funcionais mas no plano ético.

“A Igreja nunca poderá aceitar tal posição, de cujas trágicas consequências já tivemos muitas provas”, assinalou.

“Pela primeira vez na história, o homem pode destruir-se a si mesmo: primeiro com a energia nuclear, depois com a crise ecológica e finalmente com as novas tecnologias. É uma questão que envolve tanto a criação quanto a família humana e todo o planeta”, advertiu o arcebispo italiano, que é presidente da Academia Pontificia para a Vida, para quem “aqui está em jogo o humano, na sua radicalidade”.

O tema foi abordado na última semana pelo cardeal português D. José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, ao inaugurar o ano letivo 2022/23 da sede de Roma da Universidade Católica.

Citado pelo portal ‘Vatican News’, o colaborador do Papa sustentou que a inteligência artificial “nunca substituirá a ciência humana, que não pode existir sem amor”.

Já em Haia (Países Baixos), a Santa Sé interveio numa cimeira sobre “Inteligência artificial responsável no campo militar”.

“Os esforços para fazer uso da Inteligência Artificial no setor militar devem ser acompanhados por um esforço ainda maior para capacitar os nossos corações e mentes para evitar conflitos”, sublinhou Francesca Di Giovanni, subsecretária para o setor multilateral da Seção para as Relações com os Estados e Organismos Internacionais, chefe da delegação da Santa Sé.

Será que ainda vamos a tempo?

(Texto elaborado com base no Expresso, Vatican Media e Público)

 

 

 

 

 

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