O texto do Papa Francisco Evangelii Gaudium toca no tema das «periferias». Existe, no urbanismo, o conceito de «periferização», a criação de camadas habitacionais ao redor da «baixa» duma cidade.
«Periferia» consiste na aglomeração de «peri» («redor») e «feria» («condução»); em português, porém, tem um sentido «estático»: «encontrar-se no exterior». Em grego, contudo, donde se origina, implica uma ideia mais dinâmica: «perípheros» significa «circulação», «movimento ao redor» ou mesmo «revolucionar» no sentido mais originário, como no caso da «revolução» dum astro à volta de outro.
Em grego existe até o verbo «periphéro», «[fazer] circular». Seria legítimo, na nossa língua, inventar o verbo «periferizar», para designar a formação de uma periferia, movimentar-se para ela, nela ou dela para outras periferias.
Uma periferia pode ser negativa: aquilo que se distancia dum centro genuíno, original, puro, perdendo a sua virtude. Alguém pode ser «periferizado» por uma força externa, obrigado a afastar-se dum centro, ou pode «periferizar-se» a si mesmo, distanciando-se, por boas ou más razões.
Uma periferia também pode ser positiva. A maior parte das pessoas prefere a côdea do pão e dos bolos, comer do fundo da panela do arroz doce; são as partes mais saborosas. Muitos preferem viver nas periferias das cidades, longe da poluição e do stress; aí encontram mais espaço e contato com a Natureza.
Podemos «periferizar-nos» a nós próprios, fugindo ao pensamento comum, doentiamente consensual, sem sabor, das massas. Refletindo, meditando e contemplando, con-centrando-nos, redescobrimo-nos, com Deus, ao espelho das Escrituras cristãs e doutras literaturas inspiradas, no limiar da sociedade surda e ensurdecedora. Podemos até ser «periferizados» pela redescoberta desse verdadeiro centro…
Jesus periferizou-se fugindo das multidões e passando horas em oração, no silêncio da noite, na tranquilidade da montanha. Uma vez periferizado, periferizou quantos encontrou, especialmente os que a sociedade, com os seus mecanismos diabólicos, periferizava: começou pela periferia, ou seja, a margem física e social, do Mar da Galileia, chamando Simão e André, que ele mandou periferizar outros (Mc 1:16-19).
Assim teve início o movimento de Jesus… re-centrando a atenção de Deus na periferia. É lá que sabe estar melhor, aí habita a Sabedoria. E por mais que tentem manter a Igreja no cabide dum falso centro, a revolução permanece naquela margem.
Ricardo Tavares, In A Crença, 14.11.2014
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