O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) assumiu hoje em Fátima o compromisso de manter a “tolerância zero” pedida pelo Papa Francisco, perante abusos de qualquer tipo, na Igreja Católica.
“A nossa Igreja não pode voltar atrás neste caminho, não deve e não vai voltar: é mesmo preciso estar ao lado dos mais pequenos, dos mais esquecidos”, disse D. José Ornelas, na homilia da Missa a que presidiu em Fátima, assinalando a jornada nacional de oração pelas vítimas de abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja.
A iniciativa coincide com a conclusão da Assembleia Plenária da CEP, que se iniciou na segunda-feira.
O bispo de Leiria-Fátima falou na “absoluta necessidade” de dar prioridade a quem “sofre esta devastadora realidade”.
“Não se pode passar ao lado nem encobrir, por comodidade ou conivência. Não se pode pactuar com situações e atitudes que comprometam, deste modo, a vida de pessoas inocentes”, acrescentou.
A celebração na Basílica da Santíssima Trindade, reuniu 34 bispos portugueses, contando ainda com representantes do clero e de institutos religiosos, além de algumas centenas de fiéis.
“Hoje, como bispos da Igreja em Portugal, queremos dizer àquelas e aqueles que sofreram estes abusos, antes de mais, uma palavra de reiterado pedido de perdão, com que começamos esta liturgia”.
“Reconhecemos e apresentamos, a cada um e a cada uma daqueles e daquelas que sofreram estes abusos em ambiente eclesial, um profundo, sincero e humilde pedido de perdão, em nome da Igreja, na qual eles confiaram e onde sofreram tão injusta e perturbadora violência”, disse D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no início da Missa a que preside na Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima.
“Reunimo-nos, os bispos e todos os cristãos que quiseram e puderam, para celebrar a Eucaristia, tendo especialmente presente as pessoas que foram vítimas de abusos sexuais, de poder e consciência na Igreja”, declarou D. José Ornelas.
O bispo de Leiria-Fátima falou numa atitude de “penitência humilde, de solidariedade e proximidade cristã” com todas as vítimas de “comportamentos completamente iníquos, cruéis e manipuladores, por vezes disfarçados de atenção, afeto e até de motivação religiosa”.
“Como Igreja que somos assumimos a dor, a perturbação e a revolta dessas pessoas, tanto das que tiveram a coragem dolorosa de reagir e denunciar, como daquelas que se calam, ainda na incapacidade de falar dessa realidade que lhes barrou o caminho de uma vida mais feliz”, apontou D. José Ornelas.
O presidente da CEP assumiu que a Igreja Católica e os seus responsáveis falharam, “em muitas ocasiões”, na missão de “evitar estes abusos e para lidar com a gravidade das ofensas que foram feitas”.
“Pedimos perdão e pedimos igualmente a força, a coerência e a determinação de tudo fazer para que as pessoas que sofreram tão injustamente possam ter condições de superar os dramas que lhes foram infligidos, recuperar a estabilidade e a esperança na vida”, prosseguiu.
“Por isso, pedimos o perdão de Deus, suplicando igualmente o dom do Seu Espírito criador para que possamos construir e reconstruir, a nível pessoal e como Igreja, um caminho de verdadeira vida, segundo o Coração manso e humilde de Jesus, nosso Senhor e nosso Mestre”.
A CEP convidou as comunidades paroquiais e religiosas do país a associar-se a esta jornada, enviando proposta de oração universal, para ser utilizada nas celebrações eucarísticas de quinta-feira.
As comunidades são chamadas a rezar, entre outras intenções, “pelas pessoas que foram vítimas de qualquer espécie de abusos, para que encontrem em Cristo ressuscitado a cura das suas feridas e a coragem para uma vida nova”.
A proposta evoca ainda os “familiares e amigos que acompanham as vítimas de abusos, para que sejam uma presença de conforto e de ambiente seguro, e ajudem na recuperação da dignidade humana”.
A oração pede que estes sejam “tempos de purificação e de reparação” para a Igreja Católica.
O presidente da CEP começou por evocar a “dolorosa realidade” dos que foram vítimas de abusos, falando numa “enormidade destruidora”.
Para D. José Ornelas, a Igreja deve estar “ao lado dos que sofrem, escolhe o campo dos oprimidos e abusados, ajuda a carregar a sua dor, desorientação e revolta”.
“Isso significa acolher, acompanhar, sarar feridas, criar futuro na verdadeira liberdade e na esperança”, prosseguiu.
O bispo de Leiria-Fátima observou que a atenção às vítimas está acima de “qualquer interesse dito estratégico, corporativo, estatal, espiritual ou religioso”.
“A atitude de humildade (que significa a verdade) permite colocar os que sofrem como prioridade do nosso agir e não a nós próprios, do nosso grupo ou mesmo do bom nome da Igreja. Esta é a atitude que nos move, ir ao encontro de quem precisa”, sustentou.
Para D. José Ornelas, esta atitude “não é dirigida contra ninguém”, nem sequer aqueles que “causaram estes males”.
“A busca de clareza e de justiça deve incluir também os que praticam o mal, pois a misericórdia de Deus é para todos”, justificou.
“É uma dor que nos acorda, nos motiva e nos abre humildemente a ir ao vosso encontro, a escutar o que é incómodo, a reconhecer a dor e a procurar partilhá-la e, na medida do possível, aliviá-la e colaborar, por todos os meios, na libertação daqueles que foram tão dramaticamente afetados”.
O presidente da CEP apontou a um trabalho conjunto para “ajudar a sarar feridas e a abrir caminhos de futuro”, assinalando que este caminho “entra agora numa nova fase”.
“Estamos a criar condições para que esse encontro seguro e transformador seja possível. É convosco, e na medida do vosso desejo, que queremos empreender um caminho de reparação e de superação das dificuldades”, declarou.
Dirigindo-se às vítimas que estão no centro desta jornada de oração, D. José Ornelas considerou que “há caminho para além da dor, da justa revolta e da injustiça”.
“Convosco, com o vosso testemunho, com a vossa inconformidade e tenacidade de vida, esperamos também ser Igreja renovada e inconformada com qualquer tipo de mal”, concluiu.
(Com Ecclesia)