Por Carmo Rodeia
Muitas vezes quando desejamos alguma coisa, pela qual esperamos há muito tempo, chegado o momento ansiado dizemos frequentemente:` Aleluia! Já não era sem tempo.´
Pois eis-nos chegados a esse tempo: Cristo vive, Aleluia!
A Páscoa é, sem sombra de dúvida, o dia em que “a vida verdadeiramente recomeça” e o Papa Francisco, na Bênção Urbi Et Orbe de domingo de Páscoa, ainda enfatizou mais esta aurora que se abre para os cristãos.
Vivemos um tempo difícil, não há porque negar. Os abusos de menores praticados por homens e mulheres de igreja, tal como todos os abusos praticados contra pessoas vulneráveis por parte de gente que se afirma cristã, são muito mais do que murros no estômago: são uma ofensa grosseira áquilo que nos é mais sagrado que é o dom da vida e da dignidade humana.
Mas, diante desta vergonha incomensurável há uma esperança, que se descobre na dádiva do lava-pés em Quinta-Feira Santa, que se firma no amor expresso na cruz e depois se anuncia a partir de Sábado Santo.
“A Boa Nova da ressurreição é a Boa Nova de que amor tem sentido, o cuidado tem uma razão; a dádiva, o dom são o caminho, a gramática, uma lição; o lavar os pés aos outros é o modo de seguir Jesus. Não apenas até à morte, como ponto final. Porque Jesus tira os pontos finais ao que parece uma história sem saída. E mostra que o nosso destino não é o crepúsculo, mas é a aurora”, afirmou em 20220, numa entrevista à Agência Ecclesia, D. José Tolentino Mendonça.
No atual contexto, em que vivemos como que acabrunhados de vergonha, com tantas dificuldades e horrores um pouco por todo o mundo sem que possamos acudir a toda a gente que sofre , pode ser uma pretensão quase estranha: no meio do sofrimento vamos celebrar a alegria? No meio deste desassossego vamos de novo tocar as nossas arpas, as nossas liras?
Julgo que não há outra saída senão fazê-lo. E fazê-lo de coração e peito aberto em direção a todos os que encontrarmos. Não para os convertermos mas para lhes mostrarmos que há outro caminho para além do que trilhamos até agora e que, a bem dizer, não tem sido o mais fraterno de todos.
Salvos pela cruz, também nós temos o dever de ajudar a salvar todos aqueles que andam cansados e oprimidos. Sair para contagiar o mundo com a alegria da esperança por nos sentirmos amados por alguém que dá a sua vida por nós e nos convoca para fazermos o mesmo pelos outros.
As primeiras testemunhas da ressurreição aceleraram o passo para anunciar esta ressurreição e nós parece que temos pesos nos pés…
É tempo de nos reconstruirmos e de seguir em frente. Sem esquecer ou omitir. É como aquela cena do filme que se calhar está a mais, mas porque ele já foi editado não a podemos suprimir. Nem queremos, embora gostássemos. A realidade é dura de mais para deixarmos que ela se repita. E para o evitarmos temos de a ter sempre presente. Não há volta a dar: ou prevenimos ou prevenimos, seja onde for e com quem for. Mesmo que a realidade seja sempre mais lenta que o desejado.
No inicio da Quaresma, vários bispos fizeram a pergunta: “como transmitir a fé a todos os que estão marcados pela vergonha e pela dor dos abusos sexuais cometidos contra crianças no seio da nossa Igreja?”
Não é fácil a resposta, pois, se acreditamos no amor de Deus que tudo vence, vemos com clareza o mal e o pecado na nossa Igreja a clamar por redenção.
Espero que nestes cinquenta dias de Páscoa que vamos viver possamos dar respostas concretas à dor de tantos. E são estes que têm de estar em primeiro e último lugar.
As pedras dos túmulos já foram retiradas. Deixai a esperança respirar.
Gosto particularmente de Leonard Cohen, judeu, e um dos cantores de culto da minha geração. Na sua boca, a magistral Allelujah que a página tantas diz assim: I did my best, it wasn’t much/I couldn’t feel, so I tried to touch/I’ve told the truth, I didn’t come to fool you/And even though it all went wrong/ I’ll stand before the Lord of Song/With nothing on my tongue but Hallelujah… É um imperativo para seguirmos de cabeça levantada.
Santa Páscoa! Aleluia: Cristo Vive!