No programa de Educação Moral e Religiosa Católica do sexto ano de escolaridade procura-se compreender que Deus não é uma entidade fria e impessoal, distante das nossas ocupações e preocupações.
Deus, no entender bíblico, é alguém que, muito embora seja espírito, também tem «cabeça» e «coração», ou seja, pensa, reflecte, decide, planeia, sonha, ama, adapta-se à nossa evolução, é sujeito de ternura e de ira, perdoa, faz-se esquecido, por vezes nos «castiga» com vista à nossa correcção…
Depois de apresentar essa faceta muito «humana» de Deus, isto é, o seu «carácter pessoal», justifica-se o comportamento divino, as acções e reacções de Deus tão parecidas às nossas, com o facto de o espírito do ser humano ter sido «criado» «à imagem e à semelhança» de Deus (Génesis 1:26). O texto bíblico ousa afirmar, na versão grega, que o ser humano, nomeadamente na sua dimensão transcendente, é «ícone» de Deus (cf. κατ᾽ εἰκόνα), ou seja, espelho artístico da «personalidade» divina.
Numa aula de revisões sobre este assunto, interroguei as alunas e os alunos sobre que características nos faziam tão próximos de Deus, a ponto de podermos tirar a ilação de que, ontologicamente, somos «filhas e filhos» dele. A Carina levantou o braço e disse-me que Deus, tal como nós, tem um coração de pessoa porque «tinha fé». Perplexo com a hipotética necessidade de haver um «super-deus», no qual Deus pudesse ter fé, interroguei-a sobre o sentido da sua afirmação.
Especificando, disse-me que Deus tem fé em nós. Que, tal como uma mãe e um pai acreditam nos seus filhos, mesmo que errem 490 vezes, Deus tem sempre fé em que vamos viver de acordo com a dignidade que eles nos conferiu quando criou o nosso espírito à imagem de si mesmo. Que Deus não desiste de nós, mesmo que deixemos de acreditar nele ou no seu plano para nós. Que ele caminha ao nosso lado e espera todo o tempo que nos atiremos aos seus braços.
Na verdade, se a palavra «fé» provém do termo latino fides, donde nasceram as palavras «fidelidade», «fidedigno», «fiel», «fiar», «confiar», «fiança» e «confiança», então, ela traduz um «amor» que «acredita» e «espera» sempre, mesmo quando a derrota pareça ser uma evidência. A fé constitui uma característica altamente optimista num relacionamento entre pessoas, porque crê na potencialidade do ser humano enquanto filha ou filho de Deus, imagem do divino, arca de uma dignidade sagrada, nunca alienável.
Ricardo Tavares, In A Crença, 31.10.2014
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