A Arca de Emaús

No antiquíssimo, actualmente de etnia árabe, povoado, de Abu Gosh, em Israel, a cerca de 10 km de Jerusalém, na direcção oés-noroeste, encontra-se a Igreja da Ressurreição. Crê-se que seja Emaús, longe de Jerusalém, segundo Lc 24:13, «sessenta estádios» (ca. 10 km).

Pensa-se que Abu Gosh seja a cidade a que se refere o Salmo 132:6: «Ouvimos dizer que ela [a Arca] estava em Éfrata.» Roubada pelos Filisteus, dadas as pragas que provocara em território inimigo, foi imediatamente devolvida a Israel (1 Sm 4-6); antes de ser conduzida a Jerusalém, conquistada por David aos jebuseus, permaneceu vinte anos na casa de Abinadab, em Cariat-Iarim, que se crê ser a verdadeira Éfrata (depois «deslocada», por uma glosa, para sul e identificada, por Mq 5:2, com Belém). Éfrata, na vizinhança de Betel, onde Raquel faleceu (Génesis 35:16.19; 48:17), coincide, portanto, com Abu Gosh, ou seja, Emaús.

Segundo Lc 24:13-35, Jesus ressuscitado caminha com duas pessoas em direcção a Emaús. De quem se trata? O texto apresenta um deles: Cléofas (v. 18), marido, segundo Jo 19:25, da irmã da mãe de Jesus, sendo, pois, tio deste. Ambos, o casal, caminhavam para Emaús, depois do ocorrido a Jesus durante a Páscoa, em Jerusalém (v. 19). Ele acompanha-os até Emaús, onde, após o partir do pão, se torna invisível (v. 31).

Dentro da Arca da Aliança, caixa de madeira de acácia coberta de folha de ouro, ícone da união entre Israel e o seu esposo divino, entretanto desaparecida, existia «um vaso de ouro com o maná», o alimento dos israelitas no deserto, «o bastão de Aarão», símbolo do sacerdócio, e as «tábuas da aliança», a sabedoria do Povo de Deus; por cima, «dois querubins» (Hb 9:4-5). Todos estes elementos constituíam o «estrado» sobre o qual reinava, invisível, o Senhor Deus.

Tal como dentro do túmulo as mulheres encontraram «dois homens» e Jesus «ausente» (Lc 24:4-6), como na Arca, também em Emaús se depara com Jesus ressuscitado, regressado ao estado invisível, e «dois querubins», o casal humano, Cléofas e sua esposa.

Lucas pretende transmitir a ideia de que a célula conjugal, formada como Aliança, constitui o espaço onde Jesus Ressuscitado, invisível, se dá a revelar como esposo que morre por Paixão pela humanidade; que o amor humano é um «maná» oferecido e recebido num verdadeiro sacerdócio natural; que o amor age como Lei Nova, que não precisa de normas, mas se guia pela sarça ardente do Espírito.

 

Ricardo Tavares, In A Crença, 24.10.2014

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