Pelo Padre Hélder Miranda Alexandre
No princípio do século I, Belém era uma pequena aldeia formada por um pequeno conjunto de casas disseminadas pela encosta de uma colina. Deveriam existir uns bons campos de trigo e de cevada na extensa planície ao sopé da colina: talvez se deva a essas culturas o nome do lugar: Bet-Léhem, que, em hebraico, significa “a casa do pão”. Aqui “casa” e “pão” não são apenas matéria, mas alimento, sobrevivência e aconchego para a alma que lhes dá vida: a própria família.
Na verdade, a dureza do trabalho e das dificuldades podem ser esquecidas e amenizadas pelo calor familiar, qual “candelabro sobre o qual a vida arde em chamas separadas”, no dizer de Jorge Luís Borges. As pedras e as madeiras, os seus cheiros, bolores e luzes esbatidas nas paredes, talhadas pelo tempo, contam narrativas de risos de quando crescemos e brincamos na inocência do seio aconchegado dos pais. As casas falam de amor, riem connosco e choram os momentos dolorosos que nos desabrocharam para a idade adulta, forçada pelos anos que correram.
São essas as pedras vivas de uma construção, sonhada pelo Eterno, como no início, “à sua imagem e semelhança”. Com o passar dos anos aprendemos a ver Deus pelas suas costas, porque a história vai revelando os passos do seu trilhar, levantando o véu da verdade e da conquista do esforço de quem sobe os degraus da existência.
O amor torna-se fecundo, símbolo da realidade íntima de Deus, que na sua identidade é família, mas que a transcende, a precede e a excede. O seu valor está na capacidade de gerar, de ser fecundo. É na família que acontece a história da salvação. Na verdade, a missão do Bom Pastor é fazer “regressar a casa” as ovelhas perdidas. A reunião dos filhos dispersos dá-lhe força, calor e a razão de existir. Nada mais triste do que uma casa vazia, na solidão da velhice e do esquecimento. Nada mais sofredor onde não existe um mínimo de condições dignas para se ser pessoa, como aquela família de refugiados que viveram o Natal numa tenda, debaixo de uma ponte, aquecidos por uns madeiros.
Infelizmente, não é uma história original. Ainda no seio de sua mãe, Jesus foi “morador de rua”. Maria – antes de encontrar um estábulo para dar à luz – deve ter perambulado e dormido, com o seu esposo, nas ruas de Belém. Jesus nasceu como “sem-teto”. A Boa Nova do seu nascimento foi anunciada aos pastores, excluídos de todos os direitos da cidade e das instâncias judiciais. Jesus – ainda criança – foi “migrante e refugiado” no Egito. No anonimato de Nazaré, foi trabalhador…. A sua vida é eloquente, maravilhosa e duramente. Assim se fez homem, para ensinar que ninguém é excluído.
Belém é casa do pão, e o Natal o momento em que Deus se fez carne, se tornou pão, e se faz na Eucaristia. Por isso, a família revive a sua identidade quando celebra a sua fé, preferencialmente com outras famílias, numa comunidade alargada. Quando esta perde o seu calor familiar empobrece-se em “igrejas vazias”. Atacar os valores da família e da vida, despenalizando o aborto, a eutanásia ou o suicídio assistido, é excluir os últimos, os mais frágeis, os sem capacidades suficientes, é ter pão sem casas e casas sem pão. Natais sem calor, sem lar, sem amor, sem Deus… É humano ter fome, ter sede, ter sono; é humano ter medo, choro, tristeza; é finalmente próprio do homem morrer e ser sepultado; mas é próprio de Deus andar sobre o mar, mudar água em vinho e pão em carne, ressuscitar os mortos, estremecer o mundo com a própria morte, e, com a carne rediviva, elevar-se acima de todos os céus.
A casa do pão é Belém, mas também cada família, cada Eucaristia, onde Ele nasce novamente, porque, apesar das fragilidades, Ele não desiste. E as pedras continuam a contar histórias…. de amor!